Iterpa vai titular áreas ocupadas por posseiros no Jari
Iterpa vai titular áreas ocupadas por posseiros no Jari. Em 1967, quando comprou o controle acionário da Jari Comércio e Indústria, de empresários locais, o milionário americano Daniel Ludwig achava que se tornara dono de 3,6 milhões de hectares entre o Pará e o Amapá, onde implantaria projetos de celulose, caulim, arroz, madeira e gado. Anos depois, seus assessores lhe informaram que a área era bem menor (mas não tanto): tinha 1,6 milhão de hectares. Era o que imaginava ter passado adiante quando transferiu a Jari para um consórcio de 22 empresas brasileiras, em 1982.
Mas esse acervo envolvia um componente de incerteza. Se alguns das dezenas de papeis que constituíam o acervo fundiário da Jari eram realmente títulos de propriedade, a maior parte era apenas registro cartorial de domínio, apresentava delimitação imprecisa ou era medida por referências antigas. Logo, sua transformação em domínio pleno dependia de consolidação.
Em 1976 a Jari submeteu ao Iterpa 32 desses papeis, expedidos pelo governo do Pará na transição do império para a república: os títulos de posse. Representavam uma autorização do poder público dada ao portador para que ocupasse as terras pretendidas, consideradas devolutas (ou vagas), e, depois de medi-las e demarcá-las, submetesse o procedimento ao poder público, que legitimaria essa posse documentada, transformando-a em propriedade privada.
Quando o Iterpa estava processando esses títulos, o Conselho de Segurança Nacional, que exercia jurisdição sobre a área da Jari através do Gebam (Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas), avocou os autos para Brasília, onde mofaram por alguns anos. Com a redemocratização do Brasil, o Iterpa conseguiu a devolução do processo, depois de muito insistir. O conselho nada tinha acrescido ao que recebera: limitara-se a um “embargo de gaveta” em nome da segurança nacional.
Recentemente, ao invés de simplesmente tratar dos títulos apresentados pela Jari, o Iterpa deu início a outro trabalho: levantar as outras ocupações na área de pretensão da empresa, feita por antigos e novos moradores, que sempre foram ignorados ou maltratados na sua relação com a empresa e o governo. O levantamento dessas posses seguiu um curso irregular e às vezes conflituoso, mas agora começa a apresentar resultados que poderão, finalmente, definir um processo iniciado 40 anos atrás, esclarecendo quem é quem naquele território e quais os seus direitos e obrigações.
O Iterpa já está em condições de expedir um “certificado de ocupação legítima” para os posseiros que cadastrou nos sucessivos trabalhos de campo numa das glebas encravadas na área de pretensão da Jari. De posse desse certificado, o ocupante estará habilitado a receber um título definitivo de propriedade da terra que ocupa. O Iterpa acredita que a legitimação dessas posses poderá abranger 150 mil hectares, em lotes individuais de 100 hectares.
A Jari, agora sob o controle do grupo Orsa, de São Paulo, renunciaria a eventuais direitos dominiais que tivesse sobre a área de reconhecida ocupação legítima, possibilitando ao Iterpa uma titulação pacífica, pela via administrativa. O acerto deverá ser feito através de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta), com a interveniência do Ministério Público, do Ouvidor Agrário e outra autoridade afeta ao problema, para exercer o controle externo.
Só então o Iterpa concluirá a regularização fundiária da empresa. Os estudos realizados pelo instituto e a Procuradoria Geral do Estado concluíram que 230 mil hectares da área de pretensão da empresa estão cobertos por títulos de propriedade definitiva. Outros 102 mil hectares podem ter sua titulação formalizada através de resgate dos aforamentos, que constituem sua titulação. E mais 140 mil hectares seriam regularizáveis através dos 32 títulos de posse apresentados pela empresa.
Ao final, a propriedade da Jari poderia chegar a 472 mil dos 950 mil hectares que a empresa tentou recentemente incorporar ao seu domínio junto ao cartório de Monte Alegre, numa transação desfeita pela justiça. O processo de regularização também teria acompanhamento externo pelos órgãos que participariam da legitimação das posses.
A área remanescente, de aproximadamente 500 mil hectares, seria transferida ao Estado, que poderia transformá-la numa floresta estadual, passível de manejo para múltipla exploração econômica, inclusive para fins não madeireiros, como aspiram as comunidades tradicionais da área. Um conselho deveria ser formado para definir o uso da unidade de conservação e para acompanhar os projetos que fossem apresentados. Talvez assim, afinal, se chegasse a um fim mais justo e nobre para o antigo latifúndio do coronel José Júlio de Andrade e seus sucessores, de Ludwig ao grupo Orsa.
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