Faculdades do Pará desrespeitam contratos do Fies com cobranças abusivas
Tia de uma estudante recebeu da Unama apenas um pequeno pedaço
de papel que mostra os reajustes das tabelas que obrigam um novo financiamento
Instituições de ensino superior privadas no Pará estão aproveitando as falhas e novas limitações do Fies. Instituições de ensino superior privadas no Pará estão aproveitando as falhas e novas limitações do Programa de Financiamento Estudantil (Fies) para penalizar alunos com cobranças abusivas e até propaganda enganosa, segundo a Defensoria Pública do Estado. O órgão tem recebido várias denúncias e deve recomendar a todas as instituições que evitem práticas consideradas abusivas. Os problemas têm impedido alunos de iniciar o curso ou mesmo continuar a formação. Como forma de protesto, os estudantes preparam um desligamento em massa.
As demandas estão sendo recebidas pelo Núcleo de Defesa do Consumidor da defensoria, que está elaborando a recomendação. Os defensores Jeniffer Araújo e Johny Giffoni entendem que as instituições não podem tratar contratos de financiamento estudantil como aqueles relacionados a bens materiais, já que trata-se de um direito fundamental constitucional, que é a educação. Porém, segundo eles, se os estabelecimentos estão tratando apenas como um mero negócio, então terão de se adequar às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor e honrar os contratos e eventuais ônus das relações de consumo assumidas no momento da propaganda e da oferta.
Entre os casos recebidos pelos defensores está o da sobrinha da autônoma Lauriane Maciel Martins, que prefere manter a identidade da estudante preservada. Atraída pela possibilidade de um financiamento de 100% do valor cobrado, a moça fez o vestibular para Publicidade e Propaganda na Universidade da Amazônia (Unama) e deixou claro que dependeria do Fies para cursar já no primeiro semestre. Pela demora na liberação de novos contratos, um problema nacional, ela foi obrigada a pagar a primeira mensalidade para garantir a vaga. Foram R$ 859,06 pagos pela tia, sob a orientação de que seria reembolsada depois.
Com todas as dificuldades do sistema, a sobrinha de Lauriane só conseguiu se inscrever um dia após o site SisFies voltar a funcionar, no dia 23 de fevereiro. Após 13 horas de tentativas, ela conseguiu se inscrever e pegou financiamento de 100% para o primeiro semestre, no valor total de R$ 5.274,36.
- Quando fomos levar o contrato, disseram que a tabela de mensalidades tinha sido reajustada e que o curso dela passaria a custar R$ 1.308,72. Fui obrigada a pagar uma diferença de R$ 703,72 pela primeira mensalidade e refazer o contrato para pegar os valores corretos. Não deram um documento assinado, diferente do primeiro, e deram apenas um pedaço de papel com os preços e um prazo final: 6 de março – relatou Lauriane, na última sexta-feira, quando o prazo estourou e o novo contrato do Fies não foi feito.
A defensoria entrou com uma liminar para garantir a vaga ou ressarcir os danos morais.
Na última quinta-feira, estudantes da Unama chegaram a protestar na avenida Alcindo Cacela contra a obrigatoriedade de pagar mensalidades para não perder as vagas. Os valores das mensalidades foram cobrados de muitos estudantes cujas rendas familiares são o valor de uma mensalidade.
- Os estudantes estavam sendo proibidos de fazer provas e trabalhos porque não conseguem fazer a rematrícula e isso não é permitido. As regras de inadimplência, que estão sendo aplicadas para esses casos, não se enquadram em contratos do Fies, pois não é um pagamento direto com o consumidor, é com o governo federal. Esse é um ônus da instituição que deve se acertar com o Governo Federal e não penalizar o aluno – criticou Jeniffer.
Enquanto uns tentavam se manter no curso, vários estudantes perderam a vaga pelas falhas do SisFies e porque não aceitaram pagar a mensalidade ou não tinham condições de pagar. A maioria desses candidatos só fez vestibular porque foi atraída pela propaganda do Fies 100%. Os que chegaram a conseguir a inscrição, esbarraram no encerramento de vagas de Fies na instituição.
- Algo que não é explicado é que há limite de vagas de Fies por instituição. Há uma cota. Mas o que percebemos é que as universidades foram ofertando como se isso fosse ilimitado e não é. Fomos informados de que a Unama já está sem vagas para o Fies. Estamos apurando, mas isso não pode ocorrer. O número de vagas deveria ser explicitado, deixando claro que o estudante que fizesse o vestibular poderia não ter acesso. Mas não é isso que vimos nas propagandas que levam a crer que qualquer estudante pode ter o curso financiado em até 100% – explicou Jeniffer.
Na Faculdade de Belém (Fabel), o problema foi outro, mas também em relação aos aditamentos. Um estudante, que preferiu não se identificar, relatou que os reajustes não foram cobertos pelo financiamento e que as diferenças estão sendo repassadas diretamente aos alunos. Giffoni confirmou que essas reclamações já chegaram, não só da Fabel, mas outras instituições, em que o reajuste da mensalidade foi superior ao dos aditamentos.
- Por exemplo, o contratado aditado arca com 4,5%, mas a universidade reajustou em 6% e essa diferença não é coberta, sendo cobrada do aluno. Isso é ilegal. A pessoa que contratou o Fies não tem culpa e não há nenhuma previsão nos contratos das universidade sobre situações de força maior e que saem do controle do contratante. O ônus é de quem oferta o serviço e aceitou aquela forma de pagamento. O consumidor, a parte mais fraca, não tem culpa e nem pode ser penalizado – comentou.
Para os defensores, a priorização do Fies que o Governo Federal teria dado às regiões Norte e Nordeste não é verdadeira. Além disso, segundo eles, os prejuízos devem ser pensados a longo prazo.
- Trata-se de um serviço contínuo, que o estudante contrata visando a uma carreira e mudança de vida, para posteriormente fazer o pagamento do contrato. Mas o que ocorre é que estão penalizando e alterando contratos, fazendo novas cobranças. E os estudantes podem não conseguir se formar, o que não abona o débito contraído – acrescentou Giffoni.
Outra preocupação do defensor é que, pela portaria normativa 23 do Fies, de dezembro do ano passado, o repasse dos contratos anuais seria de oito parcelas do curso por ano e, baseando-se nisso, alguns estudantes com 100% de financiamento já estão sendo avisados que terão de pagar as quatro mensalidades que ficarão faltando.
Jeniffer conclui adiantando que a recomendação será feita, via defensoria, às instituições em geral para que não proíbam ou apliquem quaisquer restrições aos estudantes que dependem do Fies enquanto os problemas não forem solucionados. Porém, deve haver uma provocação da Defensoria Pública da União (DPU) para tomar medidas em relação ao governo federal.
- Não sabemos se esses problemas estão sendo sanados, pois as reclamações não param de chegar.
RESPOSTAS
O grupo Ser Educacional, mantenedor da Unama, informou que está preparado para receber qualquer número de novos contratos do Fies. A Instituição alega possuir um termo aditivo de adesão ao Fies, assinado em 3 de novembro de 2014, que afirma que a modalidade de adesão da mantenedora ao Fies passa a ser sem limitação do valor financeiro destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em suas instituições de ensino superior.
A Unama também afirma que vem realizando, normalmente, as matrículas de seus alunos, inclusive daqueles que optam pelo Fies. Porém, todos os alunos são instruídos, no ato da matrícula, sobre os prazos para aditamento do programa. Segundo a instituição, a universidade não possui autonomia sobre as inscrições, aprovações ou prazos estabelecidos pelo programa, já que ele é mantido diretamente pelo governo federal.
A Direção da Fabel informou que se as denúncias já chegaram em nível judicial, através da defensoria, prefere aguardar a notificação para dar um posicionamento oficial e até mesmo saber se as denúncias são pertinentes. Quanto ao pagamento de matrículas e mensalidades antes da liberação dos financiamentos, a direção da instituição informou desconhecer que casos assim tenham ocorrido.
FNDE
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) informou que trabalha juntamente com o MEC para garantir estabilidade ao SisFies, seja para aditamentos de contratos ou para novas inscrições. Segundo o órgão, caso haja problemas na validação do aditamento devido a reajuste nos valores financiados, é obrigação da instituição de ensino entrar em contato com o Ministério da Educação e o FNDE para negociar suas taxas.
O órgão também ressaltou que o estudante com contrato regular com o FIES não pode ser impedido de frequentar aulas, nem ser cobrado por mensalidades em desacordo com o valor contratado. Caso ocorra a cobrança ou o estudante seja impedido de frequentar aulas, é preciso entrar em contato via central telefônica (0800-616161), para reportar a situação que será investigada. Segundo o FNDE, os estudantes com contrato com o FIES que pagarem algum valor fora do contrato deverão ser ressarcidos.
Fonte: Agência O Globo
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