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Santarém, do colonialismo a uma nova metrópole...

Pe. Sidney Augusto Canto

Santarém - Houve um tempo em que guerreiros de flechas envenenadas, ricos artesãos de cestos de palha e artefatos de barro habitavam a foz de um rio de águas verde-azuladas, denominado pelos nativos de “Paraná-Pixuna” (rio preto). Essa nação de bravos guerreiros foi denominada, pelos ingleses, de “Tapajós”, e o seu “Rio Preto”, passou a ser nominado “rio dos Tapajós”. A autonomia local deixou de existir e aquele povo passou a ser usurpado pelos colonos e exploradores que para cá vieram...

Depois de espanhóis (que primeiramente reivindicaram a posse da terra dos Tapajós), vieram ingleses, holandeses, franceses, e finalmente portugueses... Estes últimos, em sua sede escravocrata, tinham sempre a maléfica intenção de comerciar os “índios de corda”. A região dos Tapajós passou a ser vista, pelos colonos da cidade do Pará (hoje Belém), como uma área densamente povoada de “peças”...

Era assim que os índios eram tratados, como produtos, como mercadoria humana que deveriam ser levados para Belém, a fim de servirem aos colonos como escravos em seus engenhos, roçados e em todos os trabalhos que pudessem ser feitos, inclusive o de subir o rio Amazonas, para “caçar” mais escravos índios, pois os “colonos” que moravam em Belém se achavam uma casta nobre, que não podia se dar ao luxo do trabalho braçal, quando muito, o trabalho era o de beber, tocar suas violas e fazer as festas religiosas. Todo o trabalho pesado era feito por nativos, entre os quais os índios Tapajós que, ou foram dizimados pelas doenças trazidas pelos colonizadores, ou foram levados escravos para a já citada cidade do Pará.

E foi assim que a nossa relação histórica com a capital começou. Éramos visto como um lugar onde se conquistava escravos. E ficamos assim por alguns anos, até que um padre jesuíta, João Felipe Bettendorff, aqui chegou em 1661. Com a vinda do missionário, o índio não podia mais ser “tirado” da foz do Tapajós, para ser usado como escravo do colono, exceto cerca de vinte e cinco indivíduos que deveriam ser destinados aos trabalhos do “El Rey” de Portugal (para a construção de obras públicas e igrejas, entre as quais, inclusive as Fortalezas do Tapajós, do Pauxis, do Parú, do Rio Negro).

Não por acaso, os índios preferiam a cruz, ante a espada. Pela cruz, mesmo que a contragosto, podiam ainda ficar em suas terras e cultivar seus roçados. Não raramente, insistiam (resistiam) em preservar sua cultura e sua fé. Iam à missão, batizavam os filhos, rezavam aos santos, mas quando voltavam para suas casas, continuavam o culto dos antepassados, dos monhangaripes e dos ídolos que os ligavam à natureza, a fim de favorecer uma boa caça e agricultura.

Por ser lugar estratégico, além da missão, foi construído o Forte, para “proteger” a posse de uma terra, que agora não era mais dos Tapajós, mas de um Rei português que jamais pisara nesta terra que dizia ser sua. Muitos índios não entendiam como essa terra, que era deles, que eles podiam ver, cultivar, caçar, havia passado para a posse de um homem que eles jamais sequer haviam visto pisar este chão. Aquele Forte, que era muito diferente das habitações de palha e taipa de mão da aldeia que lhe estava próxima, era uma imposição aos verdadeiros donos da terra.

Uma casa forte, que muito mais do que seu caráter militar, tinha também o caráter comercial. Durante muitos anos aquela Fortaleza serviu muito mais para cobrar impostos e fiscalizar o contrabando de mercadorias (drogas do sertão e ouro) do que para defender de uma invasão espanhola que nunca aconteceu. Foi assim que começamos a ser subtraídos de nossas riquezas. Eram levadas para Belém e de lá seguiam para metrópole. Durante anos as mercadorias extraídas do Tapajós, alimentaram a capital do Estado e o reino de Portugal. Aqui, na foz do rio azul, nada ficava além de migalhas: umas peças de pano barato, facas, machados de ferro, além da dor e do sofrimento da escravidão...

Quando a Missão se tornou Vila, lhe foi imposta, pelo governador Mendonça Furtado, o nome de SANTARÉM. Os índios agora eram pessoas “livres”, todos foram declarados como cidadãos portugueses. Por isso, não podiam mais ser escravos e deviam aprender a língua PORTUGUESA. O nheengatu foi proibido. Já não havia a proteção dos padres jesuítas, assumiram o poder os comerciantes. Começaram a surgir fazendas e plantações na região, especialmente as de cacau. O comércio era baseado em troca de favores com a capital da capitania. Como o índio não podia ser mais escravo desembarcaram algumas levas de negros, trazidos da África, pela recém-fundada Companhia de Comércio do Grão Pará, trocando-se a mão de obra escrava nativa pela mão de obra escrava africana.

Santarém crescia, agora pela exploração comercial escravagista, de que antes ela mesma tinha sido vítima. O rio Tapajós, antes protegido pelos padres e impedido de ser navegado pelos comerciantes, foi aberto à navegação e em 1812 foi inaugurada a navegação comercial entre as Províncias do Grão Pará e Mato Grosso, usando o “Rio Preto” como estrada e as canoas como transporte. Saíam de cena a catequese e as missões, e entraram em cena o comércio e os regatões.

Passada à condição de Comarca em 1833, e de Cidade em 1848, nascia entre seus comerciantes e pessoas mais influentes, o desejo de emancipação da capital. Desejo esse natural, diante da situação em que a nova cidade se encontrava, apenas como entreposto comercial. Afinal de contas, os investimentos maiores eram feitos na capital, ficando o interior com algumas migalhas que alimentavam alguns correligionários, ligados ao governo. Por sua vez, o povo vivia das migalhas que lhes davam os barões, deputados e alguns comerciantes mais abonados.

Santarém crescia, mas seu crescimento era, quase sempre, condicionado ao clima político da capital. Quando algum governante se lembrava dos amigos do interior, lançavam no orçamento alguns tostões para Santarém e, desde aquela época, alguns desses tostões nem sequer chegavam aqui. Eram desviados para obras “mais urgentes” da capital. Basta ler os “Relatórios” provinciais da segunda metade do século XIX, para fazer uma comparação entre as obras que eram feitas e o dinheiro que era aplicado para se ver que não é de hoje que o interior do Pará é deixado primeiro nas promessas, depois no esquecimento...

O sonho da “Santarém Metrópole” surge como resistência à anos de exploração, começados desde que os primeiros colonizadores que aqui chegaram, não para nos ajudar mas para nos extorquir de direitos, de bens e de dignidade. Este sonho, esta esperança não morrerá, nem por conta das migalhas que caem das mesas burocráticas da capital, nem por conta daqueles que pensam que um “não” de um dia apenas, irá fazer esquecer o sim de uma luta quase bicentenária. Esse não é o sonho de “meia dúzia de políticos”, esse é o sonho de quase a totalidade do eleitorado santareno manifestada no plebiscito. Agora é tempo de agir, de lutar sempre, de desistir nunca.

Esperamos que esse sonho, uma vez tornado realidade, possa fazer uma metrópole diferente, compartilhando o desenvolvimento com os demais municípios e vilas que estão em sua área de influência. Está na hora de ver acontecer não mais uma colonização, mas uma cooperação entre os povos que vivem nesta Amazônia, explorada por tantos séculos de ambição e prepotência. O sonho de uma nova metrópole, que não explore o seu interior, nem o trate como colônia, mas que o valorize e o respeite. Um sonho que, tornado realidade, seria um grande presente para nossa querida Santarém.

(*) É presbítero da Diocese de Santarém, membro da Academia de Letras e Artes de Santarém - ALAS e atual Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós - IHGTap.

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