Breaking News

Juiz do TRE/RN fala sobre a Justiça Eleitoral e seus desafios contemporâneos

E enuncia a verdadeira reforma que precisamos!


Hoje membro titular do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, ocupando uma das duas vagas efetivas de juiz de direito, o Magistrado Sérgio Maia é um exemplo de profissional dedicado à carreira jurídica, da qual é integrante há mais de vinte anos.
Juiz de direito titular da 2ª Vara da Infância e Juventude em Natal, Sérgio Roberto Nascimento Maia já atuou como Juiz Eleitoral no interior do Estado e na 69ª Zona Eleitoral da Capital. Atualmente é o Diretor da Escola Judiciária Eleitoral do Rio Grande do Norte, e tem pautado sua gestão na EJE/RN na formação política dos jovens, promovendo eventos de capacitação em universidades e escolas secundaristas e de nível técnico, na Capital e no interior, disseminando a cidadania e o voto consciente.
Nesta entrevista, concedida gentilmente ao site/portal NovoEleitoral. Com, Sérgio Maia fala sobre corrupção eleitoral, papel do judiciário, juventude e sobre o desafio de fazer parte da magistratura brasileira.
"O Judiciário é um Poder maduro, que se insere na ordem democrática e que deve atuar sempre que enxergar a corrupção e a fraude, pois da ausência da postura do magistrado, sim, nasce uma crítica social muito mais intensa do que das decisões motivadas (Sérgio Maia)"
Segue a entrevista na íntegra:
01) Na qualidade de magistrado e cidadão, como o senhor vê a corrupção em geral e, em especial, a corrupção eleitoral, dentro do cenário político brasileiro?A corrupção, infelizmente, é um fenômeno cultural que ocorre não somente no Brasil, mas em todo o mundo. As pessoas tem o hábito de dizer que o brasileiro é corrupto. Eu, de certo modo, discordo disso. A essência da corrupção é tirar vantagem de forma indevida. A vida em sociedade, porém, exige que esse tipo de ímpeto seja freado. O que existe no Brasil, entretanto, que difere nosso país das nações mais civilizadas, são os instrumentos de controle. Temos que reconhecer que o Estado, como um todo, está muito pouco aparelhado, ainda, para reprimir determinados tipos de crime, especialmente a corrupção, ainda quando se considera que o fenômeno está disseminado e inserido na cultura da impunidade.
A corrupção eleitoral está intimamente relacionada às práticas políticas tradicionais que, hoje, é difícil ao político honesto sobreviver e conseguir manter-se na vida pública, pois ele está concorrendo com outros dentro de uma disputa que afronta o princípio mais elementar do Direito Eleitoral, que é a isonomia, ou seja, a paridade de armas. O grande problema disso é que se cria um ciclo vicioso, no qual se instaura o mito de que só tem vez quem joga de acordo com as regras sujas do jogo. Isso, culturalmente, é muito danoso ao sistema eleitoral, pois afeta a essência da credibilidade do sistema democrático e reflete na crise de representatividade que o país atualmente atravessa.
02) Qual o papel do judiciário eleitoral no combate à ilicitude das campanhas eleitorais?
Mesmo sendo o protagonista do processo eleitoral, o Judiciário ocupa papel de destaque, pois cabe a ele a manutenção da licitude de todos os atos praticados desde o período pré-eleitoral até a diplomação. Sabemos que o judiciário deve atentar à inércia, somente agindo quando provocado. Contudo, em matéria eleitoral, há na legislação, um poder de polícia que se insere na competência do Juiz Eleitoral, fazendo do Magistrado um agente de papel muito mais ativo do que aquele que, ordinariamente, é desempenhado na jurisdição comum.
Assim, um Juiz Eleitoral que age com rigor na fiscalização da propaganda, na condução dos processos e na atuação pedagógica perante a sociedade representa uma figura compromissada com o cumprimento da legislação e a observância do regime democrático. Por outro lado, há em nosso sistema eleitoral um rol de ações que possibilita a tutela judicial não somente mais célere, mas, também efetiva e adequada à casuística do diaadia do universo eleitoral. Por tal motivo, percebe-se que a cada eleição, o Judiciário está aumentando sua participação, quer seja através de ações de orientação, quer seja através de decisões que corrijam distorções apuradas pelo devido processo legal e que, dentro de uma ordem republicana e democrática, são instrumentos de controle estatal legítimos e que devem ser manuseados sempre que houver qualquer quebra da isonomia das eleições.
A classe política, muitas vezes, insurge-se, atacando o que costuma chamar de "judicialização das eleições", alegando que o Judiciário está substituindo a vontade popular. Discordo disso. Considero que o Judiciário e um Poder maduro, que se insere na ordem democrática e que deve atuar sempre que enxergar a corrupção e a fraude, pois da ausência da postura do magistrado, sim, nasce uma crítica social muito mais intensa do que das decisões motivadas.
03) Genericamente, pode-se afirmar que a justiça eleitoral vem cumprindo seu papel de entregar à sociedade uma prestação jurisdicional célere, eficaz e eficiente? No seu entendimento, o que precisa melhorar?
O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte vem se esforçando ano após ano para cumprir as determinações do Conselho Nacional de Justiça - CNJ e entregar à sociedade uma prestação jurisdicional de qualidade. Estamos evoluindo quando se toma nossa taxa de congestionamento processual e diminuição de tempo em que os processos são sentenciados. Deve-se considerar, porém, que o Rio Grande do Norte passou muito tempo com uma enorme lacuna nos cargos de juiz de direito, o que afetou, bastante, a jurisdição Eleitoral. Como o corpo de Magistrados do TRE em primeiro grau é composto por juízes oriundos do Tribunal de Justiça, que cumulam a jurisdição comum com a eleitoral, não restam dúvidas que diante da carência de Magistrados, a eficiência do trabalho do Judiciário, como um todo, ficou prejudicado.
Porém, temos que entender que há a Lei de Responsabilidade Fiscal e dificuldades que atingem o Estado como um todo. E que, nas palavras de Seabra Fagundes, "administrar é aplicar a lei de ofício". Sabemos que a Lei das Eleicoes, em seu artigo97-A, estipula como prazo razoável ao processo eleitoral que possam implicar em perda de mandato eletivo o lapso de um ano. O TRE/RN vem se esforçando para cumprir tal meta. Porém, carências diversas impactam o resultado temporal dos processos. De outra sorte, há instâncias recursais que, muitas vezes, levam anos para prolatar uma decisão terminativa, o que refoge, completamente, do nosso controle.
04) Que reformas o senhor considera mais importantes para a evolução da legislação eleitoral brasileira?
Sabemos que hoje a legislação eleitoral não acompanhou as modificações que ocorreram, nas últimas décadas, no processo informatizado de votação. Vou dar um exemplo retomando um raciocínio desenvolvido na resposta anterior: como pode o Brasil totalizar os resultados da eleição tão rapidamente e demorar, às vezes, anos para decidir um processo que trata da perda do mandato eletivo? Isso é uma coisa contraditória. Precisamos, assim, de respostas legislativas para desburocratizar o serviço eleitoral como um todo Sabemos que hoje há uma infinidade de processos administrativos, feitos nos cartórios eleitorais, que representam um alto custo à nação e que agregam pouco à eficiência do serviço público. A grande reforma, assim, deveria ter por norte melhorar a eficiência do serviço público eleitoral, diminuindo custos pela otimização dos processos, o que resultaria, sem qualquer dúvida, na maior satisfação do eleitor e do candidato.
Esse é um ponto que precisa ser enfrentado, ainda mais em tempos de ajustes fiscais, que estamos atravessando. O segundo conjunto de pontos a ser apontado, toca mais diretamente os institutos jurídicos clássicos do direito eleitoral, como a racionalização e maior clareza do critério de domicílio eleitoral, maior transparência as prestações de contas, otimização dos recursos eleitorais para aumentar a celeridade dos processos, revisão dos valores de multas eleitorais, dentre tantos outros. Contudo, além de tudo isso, considero que a grande reforma que deveria ser inclusa na legislação eleitoral fosse aquela a aumentar a parceria da Justiça Eleitoral com a sociedade, pois é necessário dotar o judiciário de mecanismos, de modo a transformá-lo num poder não somente decisório de lides, mas especialmente, num transformador de ações de educação, de cidadania, o que sói aumenta a credibilidade dos Juízes perante a sociedade.
05) Como as escolas judiciárias dos tribunais regionais eleitorais em todo o Brasil podem contribuir no processo de formação da juventude em relação ao exercício do voto consciente e da participação na vida política do país?
Considero que, hoje, as escolas judiciárias eleitorais - EJEs são o grande instrumento social dos Tribunais Regionais, porque são as unidades responsáveis por levar os valores democráticos e republicanos ao povo. Então, o instrumento de atuação dos TREs são as EJEs. As Escolas estão, gradualmente, evoluindo para ocupar, cada vez mais, um papel de relevante destaque na prestação que emana da Justiça Eleitoral. Contudo, esse é um trabalho lento e contínuo, que não ocorre do dia para a noite. É preciso um passo de cada vez, pois assim se galga a credibilidade e se colhem os verdadeiros frutos, pois temos uma grande demanda, mas a estrutura funcional e financeira de todos os tribunais é limitada.
De minha parte, na qualidade de Diretor da EJE/RN, ao lado do colega Alceu Cicco, Vice-Diretor da Escola, tenho procurado fazer um trabalho focado na juventude, especialmente nas escolas e universidades, pois acredito que é através da construção de valores no jovem que se pode transformar o país numa pátria cidadã. Assim, havendo assumido o compromisso no final de 2014, aceitando com muita honra o convite que nos foi feito pelo Presidente do TRE-RN, o Des. Virgílio Macedo e nossa Corregedora, Des. Zeneide Bezerra, procurei direcionar as atividades da EJE para palestras, debates e exposições, de forma que, em um curto intervalo de menos de seis meses, nossas ações já beneficiaram mais de 2.000 estudantes de ensino médio e superior. Isso se chama cidadania. Levar às pessoas não somente a informação, mas o conhecimento imparcial sobre o mundo e a realidade em que vivem.
06) Qual o papel do eleitor e da sociedade como um todo no processo de moralização das eleições brasileiras?
O papel do eleitor é fundamental. Sem ele a sociedade brasileira não se transformará Jamais! Nós, o povo brasileiro, muitas vezes temos a triste impressão de que o judiciário deve ser onipotente e onipresente. Sabemos que em nenhum lugar do mundo é assim. A autoridade estatal deve ser vigilante e está pronta a agir nos limites da lei, mas essa intervenção deve se limitar às hipóteses de exceção, de maneira a coibir os abusos ou excessos elencados na norma.
Vou citar um exemplo: na propaganda eleitoral deve vigorar o princípio da liberdade. As pessoas devem ser livres para propagar suas ideias. O Judiciário, assim, só deve agir para inibir aquela ação abusiva. Em tudo na vida vale essa mesma lógica. Assim, é impossível idealizar um mundo em que o Judiciário possa, a cada esquina, tutelar e se manter ativo, de forma que as pessoas percam o livre arbítrio que possuem. Na verdade, o verdadeiro processo eleitoral democrático é feito pelos eleitores. Até mesmo os trabalhos eleitorais sem a participação dos mesários (que são também eleitores que se doam no dia do pleito) seria inviável. Cabe ao eleitor, assim, a responsabilidade de fazer eleições limpas.
07) Pessoalmente, enquanto cidadão atuante, quais as suas expectativas em relação ao futuro das disputas políticas e da administração pública no Brasil?
Penso que o eleitor brasileiro está ficando, gradativamente, mais crítico, aprendendo, literalmente, a votar. Sei que essa marcha é lenta e que o caminho é longo. Mas se pensarmos que saímos de um regime ditatorial há pouco mais de vinte e cinco anos, vamos enxergar que o tempo de maturidade dessa geração de eleitores ainda é curto. Temos muito caminho pela frente. O Brasil é um país muito jovem. E a democracia brasileira está apenas engatinhando. Às vezes temos o impulso de nos comparar a norte-americanos ou europeus, imaginando que nossa evolução crítico-política está muito aquém dos povos de nível educacional mais elevado do planeta.
Mas nós somos, ainda, um povo em formação. Em formação crítica e democrática. Divisar um destino final nisso é sempre atirar no escuro. Mas me centrando na pergunta, posso dizer o seguinte: o brasileiro está, a cada pleito, aumentando sua consciência crítica, e isso forçará o candidato ou o político a mudar hábitos e costumes tradicionais. A transformação social que o país atravessará resultará em um quadro, daqui a vinte anos, totalmente diferente do atual, porque o quadro, há vinte anos, era totalmente diverso do atual. Nesse universo, políticos corruptos ou gestões negligentes não encontrarão espaço. Essa é a evolução natural de uma nação democrática. E por isso temos que, sempre, defender a democracia.
08) O senhor tem o privilégio de, hoje, estar atuando como juiz de primeiro grau e membro de um órgão colegiado. Que mensagem o senhor deixaria para o jovem que quer seguir uma carreira jurídica?
Muitas vezes, equivocadamente, só enxergamos a vida jurídica pelo lado do "glamour, da autoridade, do poder", enfim, da capa mais superficial que a mídia ou as pessoas criam do senso comum. Mas a carreira jurídica é uma estrada de dedicação aos estudos. De muito sacrifício, no qual, os cargos públicos são providos, normalmente, nos interiores mais distantes e, uma vez empossados, iniciamos uma biografia profissional distantes da família e dos amigos.
A advocacia, por outro lado, também exige sacrifícios grandes, muito trabalho, pois há prazos e teses a construir. Por isso, após tantos anos, posso dizer que não existe sucesso sem amor e dedicação. É preciso juntar esses dois elementos e se entregar ao direito, pois não há espaços àqueles que não querem, verdadeiramente, se dedicar. O retorno, ao final, está no senso de dever cumprido e naquilo que deixamos à sociedade e à família.
09) Alguma mensagem aos leitores do site/portal NovoEleitoral. Com.
Vivemos hoje um tempo em que a informação circula de forma muito rápida e, tantas vezes, a velocidade que vivenciamos cria uma falsa ilusão de saber. O conhecimento deriva da maturidade e reflexão. Temos que ter um filtro crítico sobre tudo a que somos expostos, especialmente em tempos de hipertrofia das redes sociais. A internet é uma das mais brilhantes ferramentas que a humanidade criou, mas ela também promove efeitos colaterais, como tudo na vida. Procurar se informar de fontes confiáveis e fundar suas opiniões sólidas é quesito obrigatório a quem quer ser formador de opinião. É nisso que se destaca o Novo Eleitoral como um farol do conhecimento.

Nenhum comentário

imagem de uma pessoa em frente a tela no notebook com a logo do serviço balcão virtual. Ao lado a frase indicando que o serviço