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Transexualidade: lutas judiciais, sociais e de saúde; ‘minha felicidade foi uma conquista’, diz homem trans

Eric Marcel enfrentou muitos desafios, os venceu e está sempre
 em busca de mais conquistas — Foto: Geovane Brito/G1

Eric Marcel Ferreira, de 32 anos, já retificou os documentos pessoais e luta para que tenha acompanhamento médico pós-cirúrgico.

“O que eu sou?”. Conhecer a si mesmo para entender o mundo a sua volta nem sempre é uma tarefa fácil, ainda mais quando há barreiras maiores do que se pode imaginar nessa busca. Foi com esse questionamento que Eric Marcel Ferreira, de 32 anos, viveu por muitos anos até que conseguisse se identificar social e legalmente como homem trans.

A identificação pessoal aconteceu muito cedo apesar das dúvidas, mas a luta continua. Eric já tem os documentos com nome retificados, fez duas cirurgias e agora luta para ter um acompanhamento médico pós-cirúrgico que conquistou judicialmente e ainda não recebeu.

Natural de Santarém, no oeste do Pará, o jovem é formado em duas licenciaturas ligadas ao teatro, sendo uma delas pela Universidade de Coimbra, em Portugal.

Da infância à identificação

Desde pequeno Eric Marcel se via diferente da irmã e também do irmão, questionava a identidade e tinha medo de falar sobre o assunto, principalmente pela reação das pessoas.

“A questão de saber quem eu sou me acompanha desde criança. Na verdade, a pergunta era 'o que eu sou'. Eu cresci pensando que eu era um menino, um menino diferente e único no mundo (...). Existia esse desacordo entre o meu psicológico e meu corpo”, contou.
Na escola, por ser socialmente visto como menina com trejeitos de menino, Eric era motivo de chacota e o chamavam com termos pejorativos. Assim foi até à adolescência.

Na faculdade, cursada em Belém, o mundo foi se ampliando aos poucos até que o jovem chegasse a Portugal. Em um país diferente, Eric enfrentou um conflito consigo mesmo.

Por ter origem em família pobre, o jovem sempre ganhava roupas e pouco comprava na infância. Desta forma, sempre dividia os pares com os irmãos. Em Portugal, Eric teve dúvidas nas primeiras vezes quando foi ao shopping.

Eric Marcel enfrentou muitos desafios, os venceu e está
 sempre em busca de mais conquistas — Foto: Geovane Brito/G1

“Tive receio de ir na sessão masculina, fui primeiro na feminina. Depois de um tempo eu quis comprar as roupas que eu me sentia bem, que eu queria usar e me sentir confortável”, contou.

Em 2015, ao voltar ao Brasil, participou de um seminário sobre travestilidade e transexualidade, onde tirou a carteira com nome social em Belém, e começou uma longa jornada com acompanhamento em um ambulatório para se identificar social e legalmente como homem trans.

Do pré ao pós-cirúrgico

O jovem teve acompanhamento médico, fez exames e conseguiu o laudo para fazer a cirurgia de histerectomia (incisão no útero) total em 2016. Depois de um tempo, com a cirurgia para retirada das glândulas mamárias (mastectomia) autorizada, Eric teve que entrar com uma ordem judicial porque o hospital foi notificado por não ser habilitado.

“Procurei o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União e entrei com uma ação. Voltei para Santarém em novembro de 2016, dei entrada no TFD, e continuei meu acompanhamento em Belém. Eu ia e voltava”, contou.

Em uma dessas viagens, a cirurgia foi autorizada em tutela de urgência, mas o hospital recorreu. O jovem foi diagnosticado com depressão e iniciou novo tratamento psicológico.

Depois de um tempo, o processo movido abriu precedentes para que o Hospital Jean Bitar fosse habilitado a fazer a mastectomia em pessoas trans no Pará. “Quando eu estava no ônibus recebi uma ligação falando que eu tinha uma consulta com o cirurgião, aí fui a Belém fiz tudo o que tinha para fazer e marcamos a cirurgia para 20 de abril de 2018”, contou.

Eric Marcel enfrentou muitos desafios, os venceu e está sempre
 em busca de mais conquistas — Foto: Geovane Brito/G1

O tratamento com reposição hormonal continua e Eric deveria também receber acompanhamento no pós-cirúrgico em Santarém e Belém, principalmente com exames.

O ator entrou com a denúncia na Promotoria de Saúde do Ministério Público do Pará e sempre está em busca de informações junto às secretarias de saúde do município e do estado.

O G1 entrou em contato com a Semsa, Sespa e MPPA para verificar como estão os processos relacionados a Eric.

Retificação de documentos

Concomitantemente com a luta clínica, Eric já tinha mudado o nome no CPF e deu entrada na DPU para a retificação do Registro de Nascimento em Santarém. Foi necessária uma audiência com testemunhas para que o juiz decidisse favoravelmente, assim com apresentação de vários documentos de vários órgãos.

Atualmente, entre os documentos retificados estão: RG, CPF, título de eleitor, certificado militar. A última conquista foi a carteira de trabalho. “Passei um ano tentando agendar e não consegui. Entrei com um novo processo para tirar esse documento e eu queria as assinaturas retroativas. Eu tirei a carteira em um mutirão na Estação Cidadania, e agora a luta é conseguir as assinaturas”.

“O que fez eu chegar onde cheguei foi a minha determinação, muita coragem. A minha história é de muita luta, e uma luta solitária. Eu só vim olhar para o lado quando soube que exista outras pessoas como eu. Cada mínima conquista se tornava grande. A minha felicidade foi uma conquista”, completou.


Fonte: G1/Santarém e Região

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