O Poder dos Quietos
PUBLICIDADE - SUSAN CAIN
tradução ANA CAROLINA BENTO RIBEIRO
Nossas vidas são moldadas tão profundamente pela personalidade quanto pelo gênero ou código genético. E o aspecto mais importante da personalidade --"o norte e o sul do temperamento", como diz um cientista-- é onde cada um se localiza no espectro introversão-extroversão.
Leia crítica de "O Poder dos Quietos" publicada no "The Guardian"
Leia "O "brainstorming" vs. o poder dos introvertidos", de Hélio Schwartsman
Nosso lugar nesse contínuo influencia como escolhemos amigos e colegas, como levamos uma conversa, resolvemos diferenças e demonstramos amor. Afeta a carreira que escolhemos e se seremos ou não bem-sucedidos nela. Governa o quanto temos tendência a nos exercitar, a cometer adultério, a funcionar bem sem dormir, a aprender com nossos erros, a fazer grandes apostas no mercado de ações, a adiar gratificações, a ser bons líderes e a perguntar: "E se?"
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A escritora Susan Cain, autora do livro "O Poder dos Quietos"
A escritora Susan Cain, autora do livro "O Poder dos Quietos"
Isso se reflete nos caminhos do nosso cérebro, nos neurotransmissores e nos cantos mais remotos do nosso sistema nervoso. Atualmente, introversão e extroversão são dois dos aspectos mais pesquisados na psicologia da personalidade, despertando a curiosidade de centenas de cientistas.
Apesar de descobertas animadoras, esses pesquisadores, auxiliados pela tecnologia mais avançada, fazem parte de uma longa e histórica tradição. Poetas e filósofos têm pensado sobre introvertidos e extrovertidos desde o início dos tempos. Os dois tipos de personalidade aparecem na Bíblia e nos escritos de doutores gregos e romanos, e alguns psicólogos evolucionistas dizem que a história desses comportamentos vai muito além: o reino animal também apresenta "introvertidos" e "extrovertidos", como veremos, de moscas da fruta a peixes e macacos.
Como outros pares complementares --masculinidade e feminilidade, Ocidente e Oriente, liberais e conservadores--, a humanidade seria irreconhecível, e imensamente diminuída, sem os dois estilos de personalidade.
Veja a parceria de Rosa Parks e Martin Luther King Jr.: um formidável orador recusando-se a ceder seu lugar em um ônibus segregado não causaria o mesmo efeito de uma mulher modesta que claramente preferiria manter-se em silêncio, não fosse o que a situação exigia. E Parks não teria o necessário para eletrizar uma multidão se tivesse tentado se levantar e anunciar que tinha um sonho. Mas com a ajuda de Martin Luther King, ela não precisou fazê-lo.
ESTILOS
No entanto, hoje abrimos espaço para um número notavelmente limitado de estilos de personalidade. Dizem que para sermos bem-sucedidos temos que ser ousados, que para sermos felizes temos que ser sociáveis.
Vemo-nos como uma nação de extrovertidos --o que significa que perdemos de vista quem realmente somos. Dependendo de que estudo você consultar, de um terço a metade dos norte-americanos é introvertido-- em outras palavras, uma em cada duas ou três pessoas que você conhece. (Considerando que os EUA estão entre as nações mais extrovertidas, o número deve ser pelo menos tão alto quanto em outras partes do mundo.) Se você não for um introvertido, certamente está criando, gerenciando, namorando ou casado com um.
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A escritora Susan Cain, autora de "O Poder dos Quietos", na conferência TED2012, em Long Beach, nos EUA
A escritora Susan Cain, autora de "O Poder dos Quietos", na conferência TED2012, em Long Beach, nos EUA
Se essas estatísticas o surpreendem, provavelmente é porque muitas pessoas fingem ser extrovertidas. Introvertidos disfarçados passam batido em parquinhos, vestiários de escolas e corredores de empresas. Alguns enganam até a si mesmos, até que algum fato da vida --uma dispensa, a saída dos filhos de casa, uma herança que permite que passem o tempo como quiserem-- os leva a avaliar sua própria natureza.
Você só precisa abordar o tema deste livro com seus amigos e conhecidos para descobrir que mesmo as pessoas mais improváveis consideram-se introvertidas.
Faz sentido que tantos introvertidos escondam-se até de si mesmos. Vivemos em um sistema de valores que chamo de "ideal da extroversão" --a crença onipresente de que o ser ideal é gregário, alfa, sente-se confortável sob a luz dos holofotes. O típico extrovertido prefere a ação à contemplação, a tomada de riscos à cautela, a certeza à dúvida. Ele prefere as decisões rápidas, mesmo correndo o risco de estar errado. Ele trabalha bem em equipes e socializa em grupos.
Gostamos de acreditar que prezamos a individualidade, mas muitas vezes admiramos um determinado tipo de indivíduo --o que fica confortável sendo o centro das atenções. É claro que permitimos que solitários com talento para a tecnologia que criam empresas em garagens tenham a personalidade que quiserem, mas estes são exceções, não a regra, e nossa tolerância estende-se principalmente àqueles que ficaram incrivelmente ricos ou que prometem fazê-lo.
DECEPÇÃO
Introversão --com suas companheiras sensibilidade, seriedade e timidez-- é, hoje, um traço de personalidade de segunda classe, classificada em algum lugar entre uma decepção e uma patologia. Introvertidos vivendo sob o ideal da extroversão são como mulheres vivendo em um mundo de homens, desprezadas por um traço que define o que são. A extroversão é um estilo de personalidade extremamente atraente, mas a transformamos em um padrão opressivo que a maioria de nós acha que deve seguir.
O ideal da extroversão tem sido bem documentado em vários estudos, apesar dessa pesquisa nunca ter sido agrupada sob um único nome. Pessoas loquazes, por exemplo, são avaliadas como mais espertas, mais bonitas, mais interessantes e mais desejáveis como amigas. A velocidade do discurso conta tanto quanto o volume: colocamos aqueles que falam rápido como mais competentes e simpáticas que aqueles que falam devagar.
A mesma dinâmica aplica-se a grupos, em que pesquisas mostram que os eloquentes são considerados mais inteligentes que os reticentes --apesar de não haver nenhuma correlação entre o dom do falatório e boas ideias. Até a palavra "introvertido" ficou estigmatizada --um estudo informal feito pela psicóloga Laurie Helgoe mostrou que os introvertidos descrevem a própria aparência física com uma linguagem vívida ("olhos verde-azulados", "exótico", "maçãs do rosto salientes"), mas quando se pede para descreverem introvertidos em geral eles delineiam uma imagem insossa e desagradável ("desajeitado", "cores neutras", "problemas de pele").
Mas cometemos um erro grave ao abraçar o ideal da extroversão tão inconsequentemente. Algumas das nossas maiores ideias, a arte, as invenções --desde a teoria da evolução até os girassóis de Van Gogh e os computadores pessoais-- vieram de pessoas quietas e cerebrais que sabiam como se comunicar com seu mundo interior e os tesouros que lá seriam encontrados.
Sem introvertidos, o mundo não teria: a teoria da gravidade; a teoria da relatividade; "O Segundo Advento", de W.B. Yeats; Os "Noturnos" de Chopin; "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust; Peter Pan; "1984" e "A Revolução dos Bichos, de George Orwell; "O Gato do Chapéu", do Dr. Seuss; Charlie Brown; "A Lista de Schindler", "E.T." e "Contatos Imediatos de Terceiro Grau", de Steven Spielberg; o Google; Harry Potter.
ESTÍMULOS
Como escreveu o jornalista científico Winifred Gallagher: "A glória da disposição que faz com que se pare para considerar estímulos em vez de render-se a eles é sua longa associação com conquistas intelectuais e artísticas. Nem o E=mc² de Einstein nem 'Paraíso Perdido', de John Milton, foram produzidos por festeiros."
Mesmo em ocupações menos óbvias para os introvertidos, como finanças, política e ativismo, alguns dos grandes saltos foram dados por eles. Figuras como Eleanor Roosevelt, Al Gore, Warren Buffett, Gandhi --e Rosa Parks-- conquistaram o que conquistaram não "apesar de", mas por causa de sua introversão.
Mesmo assim, muitas das mais importantes instituições da vida contemporânea são criadas para aqueles que gostam de projetos em grupo e altos níveis de estímulo. Nas turmas infantis, cada vez mais as mesas das salas de aula são arrumadas em forma de concha, a melhor para encorajar o aprendizado em grupo, e pesquisas sugerem que a grande maioria dos professores acha que o aluno ideal é um extrovertido.
As crianças assistem a programas de TV em que os protagonistas não são crianças como qualquer uma, mas estrelas do rock, por exemplo, como Hannah Montana.
Quando adultos, muitos de nós trabalhamos para empresas que insistem em que trabalhemos em grupo, em escritórios sem paredes, para supervisores que valorizam "um bom relacionamento interpessoal" acima de tudo. Para avançarmos em nossas carreiras, espera-se que nos promovamos descaradamente.
Os cientistas cujas pesquisas conseguem financiamento muitas vezes possuem personalidades confiantes, talvez até demais. Os artistas cujos trabalhos adornam as paredes de museus de arte contemporânea posam de forma a impressionar nos vernissages. Os autores que têm seus livros publicados --tidos no passado como uma raça reclusa-- hoje são avaliados pelos editores para assegurar que possam participar de programas de entrevistas. (Você não estaria lendo este livro se eu não tivesse convencido meu editor de que sou suficientemente pseudoextrovertida para promovê-lo.)
DOR
Se você é um introvertido, também sabe que o preconceito contra os quietos pode provocar uma profunda dor psicológica. Quando criança, pode ter ouvido seus pais se desculparem pela sua timidez. ("Por que você não pode ser mais parecido com os meninos Kennedy?", repetiam constantemente os pais de um homem que entrevistei.) Ou na escola você pode ter sido estimulado a "sair da sua concha" --expressão nociva que não valoriza o fato de que alguns animais naturalmente carregam seu abrigo aonde quer que vão, assim como alguns humanos.
"Ainda ouço todos os comentários da minha infância em minha cabeça, dizendo que eu era preguiçoso, burro, lento, chato", escreveu um membro de uma lista de e-mail chamada Refúgio dos Introvertidos. "Quando eu tive idade suficiente para entender que eu simplesmente era introvertido, a suposição de que algo estava inerentemente errado comigo já era parte do meu ser. Queria encontrar esse vestígio de dúvida e tirá-lo de mim."
Agora que você é um adulto, talvez ainda sinta uma ponta de culpa quando recusa um convite para jantar para ler um bom livro. Ou talvez você goste de comer sozinho em restaurantes, podendo passar sem os olhares de pena dos outros clientes. Ou lhe dizem que você "fica muito na sua cabeça", uma frase muitas vezes utilizada contra os quietos e cerebrais.
É claro que há outro nome para pessoas assim: pensadores.
Fonte: Quarto Poder
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