Conselho LGBT paraense é o mais avançado do Brasil
RG Social será emitido a partir do segundo semestre no PA
Pará - O Pará chega ao Dia Mundial de Combate à Homofobia, celebrado nesta sexta-feira (17), com uma importante conquista: ser o estado brasileiro com o mais completo conselho dedicado ao segmento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) do país, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgada no começo de 2013.
Apenas cinco dos 27 estados do Brasil têm conselhos especiais de amparo aos direitos de homossexuais, bissexuais e transgêneros. Criado por decreto estadual em 2008, o Conselho da Diversidade Sexual, da Secretaria de Justiça e Direitos Humano (Sejudh) é, segundo o IBGE, o único do país responsável por elaborar, acompanhar, monitorar, fiscalizar e avaliar a execução de políticas públicas a favor da causa LGBT.
“O decreto que institui a obrigatoriedade em usar o nome social da população Trans, a decisão de conceder a visita íntima aos presos homossexuais, o plano estadual de segurança pública e combate a homofobia, são uns exemplos do avanço”, pontua Cleidson Sampaio, membro do Grupo Homossexual do Pará (GHP).
“Nossa conquista mais significativa foi o RG social, que irá permitir que o grupo LGBT use documentação com o nome social, e não o de batismo, o que humaniza o tratamento com o grupo e respeita o direito à diversidade”, afirma Sampaio.
O decreto que autorizou a emissão do RG social foi assinado pelo governo do estado em maio de 2013. O processo de emissão das carteiras será realizado pela Diretoria de Identificação da Polícia Civil. A expectativa é que o serviço seja disponibilizado no segundo semestre deste ano.
O Pará também é um dos únicos estados do país com uma emenda constitucional que proíbe a discriminação pela orientação sexual. “Somos um dos únicos estados que deixa bem claro que não pode haver discriminação por orientação sexual. A lei do estado, no entanto, combate a homofobia, mas não a criminaliza”, pontua Wilson Rodrigues Ataíde Júnior, professor da faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA) e pesquisador do grupo de estudos em políticas públicas e direitos humanos.
Desafios
Para o pesquisador, apesar dos avanços, os desafios são ainda maiores. “O Pará está na vanguarda, mas é vanguarda no contexto de um país atrasado, que ainda resiste aos avanços dos direitos civis LGBT, sobretudo porque mistura política e religião. Atualmente, o fundamentalismo religioso é a maior ameaça aos avanços pela igualdade de direitos”, critica Ataíde Júnior.
“A recente decisão do CNJ que proíbe que os cartórios se recusem a realizar casamentos civil homoafetivo foi implantado no Brasil por uma decisão so Supremo Tribunal Federal, o que conota uma grande omissão do legislativo”, avalia.
Cleidson Sampaio, membro do Grupo Homossexual do Pará (GHP), diz que superar tais entraves é um dos maiores desafios. “A existência do conselho LGBT se sustenta por um decreto estadual, que pode até ser extinto com as mudanças de governo. Iniciamos uma luta da Câmara de Belém para conquistarmos um conselho municipal, via projeto de lei, que nos daria mais legitimidade e segurança. Mas há uma resistência grande da bancada evangélica”, afirma Cleidson. “Prova desse atraso se vê no próprio Congresso: dos mais de 500 deputados, apenas um, o Jean Willys, assumidamente gay, discute os direitos LGBT”, argumenta Wilson.
Além de resultar do preconceito, a falta de representatividade política, no entanto, também é reflexo de um despreparo na articulação dentro do próprio segmento LGBT, que apesar da visibilidade que tem no estado, nunca conseguiu eleger um vereador ou um deputado integrante do movimento. “A gente consegue reunir 1, 2 milhão de pessoas na parada gay de Belém, mas não consegue eleger um vereador ligado ao movimento. Infelizmente, o movimento LGBT ainda está muito associado à festa. Falta consciência política”, critica Cleidson.
Políticas públicas
Outra questão que permeia a realidade LGBT são os entraves para ingressar no mercado de trabalho. “Jovens gays e travestis são os mais frágeis nesse sentido. Para combater o trabalho na noite, a prostituição, é preciso interesse público, político. Há travestis que são traficados, como vemos na televisão, e vão se prostituir em outros estados”, diz Cleidson.
Segundo dados da Sejudh, no Pará, apenas 15% das transexuais e travestis completaram o ensino fundamental; e 10% delas concluíram o ensino médio. De acordo com o relatório, o preconceito sofrido dentro das escolas seria a razão do abandono dos estudos.
Das entrevistadas no levantamento, 72% têm como única fonte de renda a atuação no mercado do sexo. Em contrapartida, 77% declararam que, caso houvesse outra fonte de renda, abandonariam a prostituição.
“O que se vê, sobretudo em casos de trans e travestis, é que a eles são alijados do mercado de trabalho. Quantos travestis você vê trabalhando nos shoppings, por exemplo? Eles ocupam subempregos, quando não, acabam na exploração sexual, se prostituindo nas ruas. Não há políticas públicas de inserção dessas pessoas”, critica Wilson. Para o pesquisador, a criação de políticas afirmativas seria um passo importante para a mudança do quadro. “Não há política pública afirmativa de cotas para LGBTs, sobretudo no campo do trabalho. Exemplo de política de cota no trabalho que surtiu efeito foi para os deficientes físicos. Não por benevolência das empresas, mas por uma determinação judicial, eles foram inseridos no mercado de trabalho”, argumenta.
A transexual Cléo Ferreira, assessora da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e criadora do grupo de debate LGBT Movimento Orquídea, também critica a falta de ações. “Visitei uma escola estadual que tinha 12 alunos travestis. Tempos depois, voltei ao local, e todos haviam abandonado o colégio. Isso é porque o ambiente escolar não se mostra sensível a essa realidade diferenciada. São pessoas que acabam não tendo acesso aos estudos, e ficam alheias aos próprios direitos como cidadão”, avalia Cléo.
Com uma história de vida que é, como ela mesma diz, exceção, Cléo se formou em duas faculdades e atualmente também trabalha como secretária executiva do setor de pós-graduação em antropologia, do curso de Ciências Humanas da UFPA. “Quando viajo representando o Pará em congressos estaduais, as pessoas ficam assombradas de ver uma trans naquela posição, naquele cargo. Infelizmente, quase não há trans inseridas nesse meio”.
Cléo diz que o apoio familiar foi fundamental para que ela conseguisse estabelecer uma carreira profissional. “Desde os 14 anos, eu me reconheci como menina, e minha mãe sempre agiu com muita naturalidade, assim como meus seis irmãos. Estarmos bem consigo mesmo e felizes sempre foi o mais importante para minha família, mas a realidade é bem diferente. São inúmeras histórias de pessoas expulsas de casa quando assumem uma orientação sexual diferenciada”.
Violência
O Pará registrou 23 mortes classificadas como crimes de homofobia pela Coordenadoria de Proteção à Livre Orientação Sexual (Clos) da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) em 2011, quando foi realizado o último balanço dos casos.
Na Delegacia de Combate a Crimes Homofóbicos (DCCH), vinculada à Diretoria de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAV), o principal tipo de procedimento instaurado na unidade policial é o que diz respeito a ofensas. Foram registradas 89 ocorrências de crimes de discriminação este ano. O número representa um aumento em relação a 2012, quando foram registradas 97 denúncias pelo Disque 100.
“Como não há uma legislação que criminalize a homofobia, os casos de agressão verbal acabam sendo enquadrados como injúria que, na prática, gera uma pena muito branda”, explica a delegaca do DCCH, Alinne Brandão. “A maioria dos agressores nega ter cometido a violência contra o homossexual. Geralmente, os agresores declaram que falaram por falar, que não era a intenção e que na família há casos de homossexualidade", conta. De acordo com a delegada, a falta de prova testemunhal é outro problema enfrentado por quem denuncia a agressão.
Para Cleidson Sampaio, a dificuldade de caracterizar o crime com motivação homofóbica passa pelo despreparo do sistema de segurança e pela falta de dados estatísticos sobre a violência contra o segmento LGBT. “Falta muita informação. Há muito subregistro. O poder público ainda registra a vítima pelo nome de batismo, o que torna inviável que a gente tenha acesso a dados reais da violência contra LGBTs no Pará. Muitas são violentadas e assassinadas, mas os números não revelam isso. Na capital há uma delegacia especializada, mas no interior, não. Não há um sistema unificado de dados. As violências ocorridas cotidianamente contra LGBTs, infelizmente, são muito mais numerosas do que aquelas que chegam ao conhecimento do poder público”, denuncia.
Homofobia
Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que propõe tornar a homofobia crime. A decisão, segundo Wildson Ataíde, representa um marco para a defesa do grupo LGBT. “Isso se faz urgente. A discriminação é enorme. Os diversos grupos vulneráeis tem uma lei de proteção, as mulheres têm lei Maria da Penha, há o Estatuto do Índio, o Estatudo dos Idosos, as crianças têm o ECA, o único grupo que naõ tem uma legislação de proteção são os LGBTs”, analisa.
“A história prova que não há como retroceder nos avanços. O que foi conquistado até agora está assegurado. Mas é preciso muito mais, e é preciso dar celeridade aos avanços. Para isso, a mudança deve começar dentro do grupo LGBT, que deve estar preparado para lutar pelos seus direitos”, afirma Cléo Soares.
Denuncie
Para denunciar a homofobia, ele recomenda procurar a Clos, situada na sede da Sejudh, na rua 28 de Setembro; ou a Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios e Homofóbicos, na rua Avertano Rocha. As denúncias também podem ser feitas pelos telefones 100 e (91) 4009-2747.
Fonte: G1 PA
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