Breaking News

Lei Kandir já tirou do Pará R$ 67,5 bilhões em 20 anos, aponta Fapespa


Nas últimas duas década, o Pará já soma cerca de R$ 67,5 bilhões em perdas acumuladas na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), por conta das deformações decorrentes da Lei Complementar nº 87, mais conhecida como Lei Kandir. É o que apontou relatório técnico apresentado nesta terça-feira, 20, na sede a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Seção Pará, pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa).

A nota técnica “Estimativa das Perdas de Arrecadação dos Estados com as Desonerações nas Exportações da Lei Kandir (1997–2015)” foi apresentada com a participação de juristas, parlamentares, representantes de sindicatos e de entidades de classe e vários setores produtivos paraenses, como parte do painel “Os 20 anos da Lei Kandir”, promovido pela Escola Superior de Advocacia (ESA), juntamente com o Conselho Regional de Economia (Corecon).

Criada em 1996, para desonerar impostos cobrados por exportações feitas no País, com o objetivo de levantar a economia brasileira daquele período, a Lei Kandir tornou-se uma unanimidade, apontada como principal entrave contemporâneo ao desenvolvimento econômico de vários estados brasileiros: hoje é vista por tributaristas, juristas, economistas, parlamentares e gestores públicos como a inimiga número um das finanças estaduais e municipais.

Segundo eles, ela se configurou como a expressão máxima de um modelo tributário que exige urgentes reformas, e que vem deteriorando o arranjo federativo e estrangulando cada vez mais a capacidade de investimentos de Estados como o Pará - que hoje trava um franco esforço para criar alternativas legais que solucionem esse gargalo, como a criação da Taxa Mineral e a Taxa de Recursos Hídricos no Estado. 

Segundo a atualização apresentada pela nota técnica da Fapespa, o montante de perdas acumuladas de 1997 a 2014 para exportações de produtos básicos e semielaborados no Estado do Pará é hoje de cerca de R$ 44,168 bilhões. A esse número, se soma ainda o fato de que, nos últimos dez anos, o Pará também teve perdas de R$ 21 bilhões com a arrecadação de ICMS sobre a energia aqui gerada - e consumida em outros estados.

Além disso, só em 2015 o Pará realizou uma arrecadação de R$ 10,2 bilhões em ICMS, com uma perda efetiva de R$ 2,4 bilhões. Se a União tivesse repassado o valor devido em 2015, a arrecadação de ICMS, no ano passado, somaria R$ 12,6 bilhões no Pará. Para piorar esse quadro, estima-se que a compensação atual, legalmente prevista, não cobre nem 10% das perdas acumuladas.

“A reparação das perdas da Lei Kandir é uma causa para toda a sociedade paraense, e não apenas do Governo do Estado. A solidez fiscal do Estado é algo que envolve o presente e o futuro do Estado. E essa solidez depende de que consigamos um marco regulatório que repare, de forma definitiva, as perdas decorrentes da desoneração das exportações”, avaliou, durante o debate realizado na OAB-PA, o secretário Helenilson Pontes, que é advogado com reconhecida atuação no campo tributarista e hoje está à frente da Secretaria Extraordinária de Governo para Assuntos Institucionais.

Pontes ressalta que o Pará dá hoje uma contribuição decisiva para o desenvolvimento nacional, com saldos de balança comercial crescentes ano a ano. “O Pará exporta os dólares que asseguram que o Brasil se mantenha equilibrado economicamente, e o Estado não está recebendo as compensações necessárias por esse esforço exportador. Portanto, temos hoje uma agenda permanente de conscientização social e de luta política junto aos ministérios e governo federal para que seja reconhecida essa situação. Precisamos de um olhar da Federação para esse esforço de oito milhões de paraenses, que também precisam de políticas públicas e investimentos. Precisamos da compensação necessária”, questionou.

Ações
O titular da Secretaria Extraordinária de Governo para Assuntos Institucionais lembra que o Pará tem hoje uma ação direta, de inconstitucionalidade por omissão, tramitando no Supremo Tribunal Federal. Ela pede que o STF determine que o Congresso Nacional regule as compensações necessárias e devidas ao Pará derivadas da Lei Kandir. “E temos ainda uma luta política no parlamento, para que ele vote os projetos que assegurem as compensações necessárias ao Pará, além da luta permanente junto ao governo federal, para repactuar os critérios de recompensação, que já estão previstos na legislação e podem melhorar os índices do Pará. E temos também, internamente, um esforço no sentido de afirmar a competência do Pará para tributar a exploração dos recursos minerais e hídricos em seu território”, pontuou Helenilson Pontes.

Pontes ressaltou, nesse sentido, a criação da Taxa Mineral e da Taxa de Recursos Hídricos, que hoje ainda são alvos de disputas judiciais com duas ações de inconstitucionalidade, também no STF, contra o Estado. “São disputas naturais, pois vivemos numa democracia e ninguém quer pagar imposto, e o contribuinte tem esse direito. Mas estamos vencendo essas batalhas”, pondera o secretário.

Helenilson Pontes ressalta que o Pará é rico em recursos naturais. Portanto, precisa “ler” a Constituição de uma maneira que permita que o Estado possa alcançar as suas compensações necessárias pela exploração dessas riquezas. “Criar a Taxa Mineral e a Taxa de Recursos Hídricos faz parte desse esforço de criar mecanismos que garantam sustentação financeira e investimentos para uma população de oito milhões de habitantes, que precisa de serviços públicos. Os governos precisam ser criativos para tirar da Constituição o que interessa para o povo do Pará”.

Pontes exemplifica o resultado concreto desse esforço: o Pará recebe uma média de R$ 270 milhões por ano, a título de compensação pelas exonerações de ICMS no Estado. Os royalties da exploração mineral repassados ao Estado, por sua vez, somam cerca de R$ 100 milhões ao ano.  “Só a Taxa Mineral, criada pelo Estado em 2011, já arrecada R$ 450 milhões ao ano”. A Taxa Hídrica seguirá o mesmo caminho, estima o secretário.

Nó histórico
“É preciso lembrar que as desonerações das exportações surgiram num momento onde havia graves problemas econômicos no Brasil. Desonerar exportações era a solução para criar saldo na balança comercial. Era preciso esse esforço”, pontua o titular da Secretaria Extraordinária de Governo para Assuntos Institucionais.

A Lei Kandir entrou em vigor no dia 13 de setembro de 1996, tendo como principal objetivo desonerar a cobrança do ICMS sobre as exportações de bens primários e semielaborados, além de regulamentar a cobrança do ICMS de energia no Estado de consumo.

Desde 1997 o valor de compensação é o mesmo e não foi corrigido, conforme a inflação de cada época. Além disso, existe uma guerra fiscal entre os Estados mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos, o que faz com que a compensação dos impostos se torne desigual, assim como o pagamento dos impostos sobre produtos exportados e importados para outros Estados, a exemplo da produção mineral e energética.

A Lei Kandir também causa grandes perdas aos Estados porque o governo federal se comprometeu em compensar esses valores, mas este processo não ficou claro e o repasse é feito com valores parciais, que não se aproximam do montante real.

No último dia 8 de junho, o governador Simão Jatene participou de um debate sobre projetos prioritários em Brasília e destacou a compensação pelas perdas com a Lei Kandir. Jatene ressaltou que a compensação atual não cobre nem 10% das perdas do Estado – e que os debates sobre o tema hoje estão focados no aumento do Fundo de Compensação das Exportações e também, em médio prazo, na regulamentação da Lei Kandir - o anexo da lei, que deveria ordenar as compensações financeiras pelas perdas aos estados exportadores, nunca foi regulamentado.

Nas estimativas de perda de arrecadação entre os estados no período 1997 a 2015, destacaram-se como os três mais prejudicados: Minas Gerais cuja perda foi de R$ 92,2 bilhões ou 19,7% de participação média no total das perdas no período, seguido pelo Rio de Janeiro, com R$ 49,2 bilhões (10,5%), e Pará, com R$ 44,2 bilhões (9,5%). Depois vêm Rio Grande de Sul, com R$ 41,8 bilhões (8,95%), e o Mato Grosso, com R$ 41,7 bilhões em perdas (8,94%). Juntos, esses estados representam 57,6% do total das perdas.

Investimentos retidos
A última parcela liberada pela União, em 2015, previu o aporte de R$ 1,95 bilhão, relativo ao exercício financeiro de 2014. Para o Pará, o total ainda a ser pago pela União é de R$ 143,3 milhões. Para os municípios, o repasse estimado é de R$ 47,7 milhões. Porém, as parcelas desta compensação seguem atrasadas.

De acordo com as informações da Diretoria de Arrecadação e Informações Fazendárias da Secretaria da Fazenda, a arrecadação do ICMS do Pará foi de R$ 145,9 bilhões entre 1996 até 2015. O cálculo feito pela Fapespa, apresentado na nota técnica debatida na OAB-PA, é importante para mostrar o que seria arrecadado, caso a União fizesse o repasse integral do valor desonerado – em valores atualizados pelo IPCA.

Ao frisar que o montante de perdas acumuladas de 1997 a 2014 para o Estado do Pará é de cerca de R$ 44,168 bilhões, a nota técnica da Fapespa também ressalta que, somente no ano de 2015, a perda do Estado (R$ 3,969 bilhões) equivale a três vezes a capacidade anual de investimento do Estado.

O relatório aponta ainda que, com os valores das perdas em 2015, a capacidade de investimento do Pará poderia ser multiplicada em 2,5 vezes. No que tange às despesas, em 2015 o Estado poderia ter investido em torno de 50% a mais em saúde e segurança, ou 15% a mais em educação, ou 11% a mais em previdência.

“Não tenho dúvidas de que a Lei Kandir está na raiz do esgarçamento do arranjo federativo brasileiro, ao mesmo tempo em que a superação da nossa condição de subdesenvolvimento, que perpassa pela construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária, depende cabalmente da revisão destas distorções”, resume Eduardo José Monteiro da Costa, presidente da Fapespa, no texto de abertura da nota técnica.

Segundo Costa, o Brasil precisa de uma ampla reforma tributária. “Não podemos discutir apenas isoladamente perdas com a Lei Kandir e ICMS. Precisamos realmente de uma reforma que reorganize o arranjo federativo brasileiro e as finanças públicas do País. Os estados e a própria União estão passando por uma grave dificuldade financeira. E apesar disso, o Pará ainda é um estado que vem sobrevivendo em função da própria gestão que o governador Simão Jatene vem fazendo. Somos hoje o estado com a melhor situação de finanças públicas em termos de Brasil, em função do equilíbrio das finanças públicas e de um bom desempenho no esforço de aumento de arrecadação própria”.

Entretanto, o presidente da Fapespa lembra que isso tem um limite. “A nossa base tributária é hoje limitada, em função da Lei Kandir. A economia paraense, exportadora de commodities agrícolas e minerais não tributáveis, faz com que tenhamos uma base tributável menor que a de outros estados. E além disso, os municípios também são fortemente afetados. Portanto, esse esforço exige uma rediscussão do arranjo federativo, de competências e fontes de arrecadação, e discutindo um pacto federativo mais justo. No atual cenário, o Pará é fortemente lesado. Precisamos nos unir para mudar isso”, frisa o economista, ressaltando um descompasso dessa situação: dados da Fiepa mostram que cerca de R$ 178,7 bilhões devem ser injetados no Pará em investimentos privados em setores produtivos até 2020.

“O que temos hoje é uma legislação com uma insuficiência compensatória por ausência de uma legislação que nos permita ter um repasse, uma compensação ou mesmo uma manutenção de perda real justa para o Estado do Pará e também para vários outros que têm balanças comerciais baseadas em economias de produtos primários”, avaliou Tatiane Vianna, procuradora jurídica da Fapespa.

Outra nota técnica da Fapespa, voltada exclusivamente ao estudo das perdas de arrecadação de ICMS na cadeia mineral no Pará, deve ser a próxima frente de trabalho, confirmou ontem o órgão de estudos e fomento à pesquisa do Estado. “Os números apresentados aqui foram suficientes para demonstar essa ‘patologia federativa’ que o Brasil sofre, um modelo que precisa ser superado e que nos transformou em algo como o ‘almoxarifado’ do desenvolvimento do Brasil, relegado a só fornecer produtos e recursos e não receber nada em troca. A Lei Kandir, obviamente, foi feita para ajustar uma situação do Brasil numa determinada época, mas hoje não faz mais o menor sentido”, criticou, durante a apresentação da nota técnica, o deputado federal Arnaldo Jordy (PPS), convidado para o debate.

Jordy é autor Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/15), em análise na Câmara dos Deputados, que quer reinstituir a cobrança do ICMS sobre bens minerais primários e sobre produtos semielaborados deles derivados destinados ao exterior. "Já começo a pensar que não há mais como regulamentar as compensações devidas. Elas se mostram minguantes: elas começaram em 1997 com 51% e em 2015 não passam de 7%. Esse é um caminho infértil”, avalia o deputado. “Cada vez mais me convenço que o caminho não é regulamentar mais os processos das compensações, mas retirar os bens minerais e primários dessas desonerações. Precisamos unir o Pará em torno dessa agenda. Essa é uma guerra. É uma nova Cabanagem”. 

A admissibilidade da PEC será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Caso aprovada, será analisada por comissão especial de deputados, que será criada especialmente para esse fim. Depois, terá que passar por dois turnos de votação no Plenário da Câmara, antes de ir para o Senado.

“São números que nos assustam. São cerca de R$ 70 bilhões somando as perdas da desoneração de arrecadação de ICMS também na geração de energia do Estado em 20 anos, além do estrangulamento da atual capacidade de investimento do Governo do Estado, que é hoje de R$ 196 por habitante por ano”, ponderou ontem também, durante o lançamento da nota técnica da Fapespa, Nélio Bordalo Filho, presidente do Conselho Regional de Economia do Pará (Corecon).

“A OAB quer qualificar a sociedade civil para esse debate sobre os problemas que a Lei Kandir trouxe para as finanças do Estado. Nós precisamos recuperar essa luta do início e reunir forças para que o assunto seja apreciado pelo STF”, resumiu Alberto Campos, presidente da OAB-PA.

Confira

Íntegra Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/15), em análise na Câmara dos Deputados, que reinstitui cobrança do ICMS sobre bens minerais primários e produtos semielaborados deles derivados destinados ao exterior (PEC 8/15).

Fonte: SECOM

Nenhum comentário

imagem de uma pessoa em frente a tela no notebook com a logo do serviço balcão virtual. Ao lado a frase indicando que o serviço