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Aluno da PUC-SP diz que vestiu saia para experimentar o preconceito


Erick Calistrato, em foto de 2012, quando vestiu uma saia 'kilt' para ir à PUC-SP
Homem e branco, ele quis saber como era viver como minoria por um dia. Na quinta, ele pretende vestir a peça de novo em apoio ao 'saiaço' da USP.

Ele é homem, branco, com traços europeus, heterossexual, de porte atlético e classe média. Foi só em 2012, aos 20 anos, que Erick Calistrato percebeu que pertencia a um grupo de pessoas privilegiadas no nascimento. Para entender melhor a reação que as pessoas sofrem ao não se encaixarem no padrão esperado para elas, em agosto do ano passado, ele decidiu vestir uma saia escocesa que ganhou de presente da namorada para sair de casa e ir até a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde estuda letras. "Quis sair um pouco do pedestal", explicou ele ao G1.

Desde então, Calistrato nunca mais vestiu a saia em público, mas pretende, se tiver tempo, voltar a usar seu "kilt" na PUC-SP nesta quinta-feira (16), data em que estudantes de pelo menos cinco campi da Universidade de São Paulo (USP) planejam uma manifestação de transgressão de padrões de gênero, com homens vestindo saias e mulheres vestindo roupas atribuídas à masculinidade.

O evento é uma resposta a ofensas recebidas por um estudante da USP Leste que decidiu acrescentar a peça ao seu guarda-roupa. O estudante da PUC, que já passou pela experiência, diz que só deve aderir se conseguir imprimir panfletos e promover o diálogo e a reflexão sobre o respeito à diversidade e os estereótipos de gênero.

"Passar por isso me fez ter um mínimo de ideia, em um grau bem reduzido, do que uma pessoa 'trans' passa, que naturalmente quebra com estereótipos de gênero"


No dia em que Calistrato vestiu sua saia, não houve uma manifestação artística ou cultural, apenas sua vontade "de saber como outra pessoa se sente, para experimentar, para ver como seria aquilo". Quase um ano após essa experiência, ele se considera "uma pessoa muito melhor", nem tanto pelas horas que passou na rua e na faculdade vestindo uma peça de roupa convencionalmente restrita ao sexo oposto, mas por causa das pessoas que ele conheceu depois de publicar, no Facebook, um relato do seu dia ao lado de uma foto sua vestindo a indumentária.

Calistrato contou que sua saia no modelo "kilt" é bastante confortável e foi bem recebida no campus da PUC. "Foi muito tranquilo. As pessoas olhavam com um certo espanto, mas, como na faculdade as pessoas tendem a ser menos reacionárias e mais aberta às diferenças, só ouvi um comentário maldoso." Ele agora a veste apenas dentro de casa, primeiro porque "não é fácil" enfrentar as reações e, em segundo lugar, porque ele a considera "formal demais" para a maioria dos seus compromissos.

Nas ruas

O maior problema de vesti-la em público no ano passado, segundo ele, foi no trajeto de casa à universidade. No metrô, no ônibus e nas ruas, ele contou que recebeu olhares chocados.

"Quando não era choque, as pessoas apontavam rindo ou cutucando alguém do lado. Uma moça, inclusive, ria até quase cair no chão, o que me fez instintivamente rir também, apesar de não me sentir bem com a situação." Ele acredita que quem não sabe que um "kilt" é usado por homens na Escócia pode ter concluído, apenas pela aparência, que ele é homossexual.

"As pessoas confundem sexualidade com gênero, elas devem ter praticado homofobia comigo. Devem ter tido a mesma reação quando vêem um menino afeminado gesticulando, associaram àquilo que elas já sabem."

"A gente deve lembrar as pessoas que o mundo não é tão binário, tão fácil de entender, tão cheio de certo e errado, de moral e imoral, de sim ou não"


Na rua, ele diz que sentiu medo de que alguém mexesse em sua saia ou resolvesse demonstrar que se sentiu intimidado por sua maneira de se vestir.

Para o estudante de letras, é natural que alguém reaja a aparências e comportamentos que saem do padrão em qualquer circunstância --ele mesmo, que adotou o veganismo no ano passado, se diz acostumado às caretas que recebe quando revela sua escolha de proteção aos animais. E também admite já ter estado do outro lado.

"Na primeira vez que vi essas pessoas [que se apresentam de forma diferente] eu senti aquele preconceito gritando dentro de mim, mas eu fui atrás para descobrir por quê", explicou.

O problema, de acordo com ele, "é se sentir excluído, olhado, observado, comentado, em casa passo, ridicularizado em público". Por isso, ele afirmou que torceu para que o fim do dia chegasse logo. "Covardemente desejava chegar em casa logo, pra que a minha experiência acabasse de uma vez. Mas passar por isso me fez ter um mínimo de ideia, em um grau bem reduzido, do que uma pessoa 'trans' passa, que naturalmente quebra com estereótipos de gênero, se essa pessoa se apresentar 'diferente'."

Preconceito e reação

Seu relato recebeu mais de dez mil manifestações de apoio, quase 500 comentários e foi compartilhado por mais de 7.400 usuários. Ele diz que não recebeu nenhuma ofensa que atingisse sua integridade, e que seu texto chegou a pessoas 'trans', termo usado para definir quem não segue a definição de gênero atribuída pela biologia. "Logo recebi um convite de uma pessoa de um grupo no Facebook que discute a questão de gênero, o grupo é composto só por pessoas 'trans', e eles e elas me chamaram para discutir mais comigo, aprendi muita coisa", contou Calistrato, que afirma ter feito grandes amizades ali.

O jovem contou que recebeu críticas dos leitores 'trans' ao seu texto, e que um dos aprendizados que ele afirma ter adquirido com o grupo é sobre a importância de tomar cuidado ao falar sobre o preconceito do outro. "Hoje sou uma pessoa muito melhor por causa disso, tenho muito mais preocupação com injustiças sociais e ética por causa disso, por causa das pessoas que eu conheci depois do texto."

Para ele, brancos falando sobre racismo ou heterossexuais falando sobre homofobia devem ter menos exposição do que quem vive esses preconceitos diariamente, e pode falar com mais propriedade sobre o assunto. Para isso, é necessário que movimentos como o "saiaço" marcado para a quinta-feira na USP não só consigam sair dos portões das universidades, mas também coloquem na posição de protagonistas quem é sofre discriminação por não se vestir de acordo com a norma padrão.

"A gente deve lembrar as pessoas que o mundo não é tão binário, tão fácil de entender, tão cheio de certo e errado, de moral e imoral, de sim ou não."

Fonte: PUCSP, USP

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