Ex-governador Jatene tem prisão preventiva pedida pela Auditoria Geral do Estado
Talvez você que anda revoltado com a falta de pavimentação e as buraqueiras espalhadas por todo o estado não saiba, mas o governo Jatene gastou dinheiro suficiente para asfaltar o Pará inteiro. A questão é onde foi parar esse dinheiro, uma vez que a situação das vias públicas continua cada vez pior. Após uma longa investigação, a Auditoria Geral do Estado (AGE) ingressou com uma Representação Criminal junto ao Ministério Público e a Polícia Civil, pedindo a prisão preventiva do ex-governador Simão Jatene e de três de seus ex-secretários da SEDOP (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas), além de representantes de empresas que tinham vínculo com o governo anterior.
Segundo a AGE, o ex-governador comandava uma organização criminosa que teria saqueado os cofres públicos através de fraudes em licitações e superfaturamento de contratos. O caso envolve o programa Asfalto na Cidade, que, em 2018, promoveu a maior farra de asfalto já vista no Pará, em um ano eleitoral: foram gastos mais de R$ 369 milhões do dinheiro do contribuinte.
A Representação Criminal da AGE foi protocolada no último dia 2 de abril no Ministério Público Estadual (MPPA) e na Delegacia Geral de Polícia Civil, para que as instituições solicitem à Justiça a prisão do ex-governador.
No documento, a AGE também solicita as prisões preventivas dos ex-secretários estaduais de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas Ruy Klautau, Pedro Abílio Torre do Carmo e Noêmia Jacob; dos proprietários das construtoras Leal Junior, Rodoplan e JM Terraplanagem, e de dois engenheiros da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (SEDOP), José Bernardo Pinho e Raimundo Almeida.
A AGE afirma que as prisões são necessárias para evitar a destruição de provas e a fuga dos envolvidos nos supostos crimes.
PARA ONDE FOI O DINHEIRO?
No ano passado, o Asfalto na Cidade consumiu mais de R$ 369 milhões dos cofres públicos, na maior farra de asfalto já vista no Pará, em um ano eleitoral. Há suspeitas de superfaturamento, obras fantasmas, corrupção, pagamento de propinas, improbidade administrativa e caixa dois. Devido às supostas irregularidades, o programa foi suspenso em janeiro deste ano.
A AGE afirma que há provas consistentes de que as ilegalidades fariam parte de um “esquema criminoso” que operou na SEDOP, o órgão executor do programa, nos últimos oito anos, e não apenas no ano passado. Naquela secretaria teria ocorrido uma espécie de “formalização da corrupção”, nos pagamentos dessas obras.
Na Representação Criminal, a AGE sustenta que tudo ocorreu com o conhecimento e permissão de então governador Simão Jatene, “que em contato com as empresas e com o secretário da SEDOP, articulavam quais empresas seriam beneficiadas com pagamentos antecipados e tal ordem ilegal era repassada para os fiscais, que de maneira fraudulenta apresentavam os Boletins de Medições, avalizando a liberação de valores de supostas pavimentações, por vezes nunca realizadas”.
Ela também afirma que o funcionamento desse suposto “esquema criminoso”, que teria “a nítida finalidade de se locupletar de verbas públicas”, foi relatado pelo engenheiro da SEDOP José Bernardo Pinho, que trabalhou como fiscal dos contratos da secretaria com as construtoras Leal Junior, Rodoplan e JM Construções.
Segundo a AGE, José Bernardo afirmou que alterava os boletins de Medição das obras, “para adequar os quantitativos medidos aos valores disponíveis para pagamento”.
No depoimento, o engenheiro teria se recusado a citar nomes, “porque não estava ali para delatar ninguém”. No entanto, teria afirmado que recebeu “ordens superiores” de todos os ex-secretários da SEDOP, que tinham o “aval” do então governador.
Ele também teria dito que mantém contato com as empresas que receberam pagamentos antecipados, para que elas finalizem os serviços, o que, para a AGE, é uma tentativa de prejudicar as investigações.
Segundo a AGE, os envolvidos no suposto esquema cometeram crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, prevaricação, falsidade ideológica, uso de documento falso e organização criminosa.
Se forem condenados, as penas previstas no Código Penal podem chegar a 41 anos para Jatene, “mentor e organizador de toda a organização criminosa”; 36 anos para os funcionários públicos, e 30 anos para os empresários.
Ainda segundo o principal órgão de investigação do Estado, apesar de os acusados possuírem residência fixa, emprego e não apresentarem antecedentes criminais, “nada contribuem para que os mesmos sejam mantidos em liberdade, pois a partir do momento em que os mesmos tiverem conhecimento das imputações penais e suas implicações, estes vão se evadir do distrito da culpa, posto que possuem significativas condições financeiras”.
Outro fato que demonstraria a necessidade da prisão preventiva, ainda segundo a Auditoria Geral do Estado, é que os envolvidos nos supostos crimes continuariam a manter contato “com o fito de concluírem as pavimentações que não foram realizadas, porém recebidas de forma fraudulenta, e no atual momento estão tentando ocultar as provas dos cometimentos dos ilícitos, demonstrando assim que no decorrer da investigação os mesmos irão tumultuar a colheita de provas e até prejudica-las, com a nítida finalidade de que a impunidade prevaleça”.
Além da prisão preventiva, ela também pede a quebra do sigilo bancário e fiscal de Jatene, dos três ex-secretários estaduais, dos dois engenheiros da SEDOP e dos sócios da Leal Junior, Rodoplan e JM Terraplanagem.
A Representação Criminal foi endereçada ao delegado geral de Polícia Civil, Alberto Teixeira, e ao Procurador Geral de Justiça, Gilberto Valente, que encaminhou o caso ao promotor Alexandre Couto Neto, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público (CAO), do MP-PA.
No sábado, 13 de abril, durante a operação “Tapa Buraco”, a AGE teria flagrado a construtora Leal Junior executando obras do Asfalto na Cidade, no município de Itupiranga, no Sudeste do Pará, apesar de o programa estar suspenso, devido às investigações.
OLHO DO FURACÃO
Os R$ 369 milhões torrados no Asfalto na Cidade, no ano passado, superaram tudo o que ele consumiu nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, somados: R$ 299 milhões, em valores atualizados pelo IPCA-E de dezembro.
No entanto, a farra de asfalto acabou por colocar os envolvidos no olho de um furacão.
Ainda no ano passado, o MP-PA abriu investigação sobre o caso, a pedido do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
O partido pediu que fosse investigado o possível uso do programa em favor da candidatura de Márcio Miranda, o candidato apoiado pelo então governador Simão Jatene ao Governo do Estado, o que poderia configurar improbidade administrativa.
A coligação Esperança Renovada (MDB/DC/PSD) também ajuizou uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), no Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Nessa AIJE, em 15 de janeiro deste ano, a procuradora regional eleitoral Nayana Fadul da Silva emitiu um parecer pedindo a condenação à inelegibilidade, por 8 anos, de Simão Jatene e Márcio Miranda e dos ex-secretários Pedro Abílio Torres do Carmo, que comandava a SEDOP; e Izabela Jatene, filha do ex-governador e que era titular da Secretaria Extraordinária de Municípios Sustentáveis (SEMSU), órgão responsável pela implantação das ações governamentais.
A procuradora concluiu que houve abuso de poder político e econômico, com a utilização do Asfalto na Cidade para turbinar a campanha de Márcio Miranda, em claro desvio de finalidade do programa.
Com base no parecer de Nayana Fadul, o auditor-geral do Estado, Giussepp Mendes, determinou a abertura de uma investigação.
Nela, foram encontrados vários indícios de irregularidades no programa. Entre eles, o fato de que vários dos convênios que teriam embasado a contratação dessas obras nem sequer existiriam.
Outro problema detectado foi o descompasso entre os pagamentos e a realização desses serviços.
Em 2015, a construtora Leal Junior foi contratada para executar 70 km de pavimentação, em 9 municípios da região do Lago de Tucuruí.
Mas, segundo a AGE, a construtora só concluiu uns 30% desse total (20 km), embora tenha recebido 88% do valor do contrato, que era de R$ 18,5 milhões.
Além disso, no ano passado, um novo contrato da SEDOP com a Leal Junior, para 70 km de pavimentação em 7 municípios da mesmíssima região, ficou em R$ 38,7 milhões – ou 109% a mais.
As supostas irregularidades levaram a AGE a encaminhar uma denúncia ao Ministério Público de Contas (MPC).
E, em 27 de fevereiro, o procurador Guilherme da Costa Sperry, da 4 Procuradoria do MPC, encaminhou uma Representação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) contra os ex-secretários da SEDOP, Ruy Klautau e Pedro Abílio Torres do Carmo, que teriam cometido várias irregularidades nos pagamentos a essas construtoras.
O procurador pediu ao TCE a abertura de uma fiscalização desses gastos, com a inspeção in loco das obras.
Segundo Sperry, há “fortes indícios de grave violação à norma legal” e de possível dano ao erário.
Confira os gastos ano a ano do Asfalto na Cidade. Os valores, extraídos do SIAFEM, o sistema de administração financeira de estados e municípios, foram atualizados com base no IPCA-E de dezembro último:
2012
R$ 73.851.353,51
2013
R$ 101.908.178,37
2014
R$ 88.360.022,73
2015
R$ 67.106.749,35
2016
R$ 75.344.358,88
2017
R$ 68.051.596,59
2018
R$ 369.118.021,97
Fonte: Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará
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