Ex-marceneiro, paulista cria startup voltada para educação aos 85 anos
Hermenegildo Garcia Filho
Startups são empresas iniciantes de tecnologia tocadas por pessoas com pouca idade. Correto, até Hermenegildo Garcia Filho achar que as crianças “de hoje em dia” não sabem as contas da tabuada. Isso porque, aos 85 anos, o ex-funileiro, caixeiro viajante, marceneiro, vereador de cidade do interior de São Paulo e até dono de fábrica de brinquedos, Seu Hermenegildo resolveu transformar sua constatação em combustível para uma empreitada maior do que fazer reclamações: ele criou com o filho uma startup para ensinar crianças em idade escolar a resolver a tabuada por meio de realidade aumentada.
“A ideia surgiu porque hoje o ensino não é mais como no meu tempo. A gente aprendia tabuada cantada e a pessoa decorava. Naquela época, qualquer criança do segundo ano da escola sabia a tabuada. Era essencial”, explica Seu Hermenegildo ao Blog Start.up. “Hoje em dia, as crianças não sabem tabuada, os país também não sabem e as professoras fazem que ensinam.”
Com a ideia de um jogo de tabuleiro na cabeça, chamou o filho, Fábio Tadeu Garcia, desenvolvedor de 51 anos, e pediu a ele para transformar aquilo em algo mais atraente às crianças. Garcia criou um jogo de realidade aumentada. Funciona assim: celulares ou smartphones Android ou iOS pousam sobre um tabuleiro, como os utilizados para jogar xadrez; em cada casa, estão dispostas peças com as operações da tabuada; conforme criança escolhe uma peça, os aparelhos exibem na tela a operação que deverá ser resolvida; para tornar a atividade um desafio, o tempo (inicialmente de 30 segundos) e um monstrinho chamado Decoreba.
O tabuleiro fica pronto no fim de abril, e o aplicativo, que dará o caráter de realidade aumentada ao jogo, sai em maio, diz Garcia. O Blog Start.up conversou com os dois empreendedores durante a Campus Party 2014. A empresa deles, o X da Questão, ocupava uma das barracas na área reservada às startups. Como lidar com tantos jovens à volta? “Fácil! Eu sou jovem”, diz.
Os cabelos brancos de Seu Hermenegildo eram a única diferença entre ele e os jovens que tocavam as quase 300 startups que passaram por ali. A startup foi uma das selecionadas para integrar a primeira turma da incubadora Seed, iniciativa do governo estadual de Minas Gerais. Seu Hermenegildo diz que ficou sabendo da oportunidade pelo Twitter.
Para receber as orientações da incubadora, Garcia se mudou para Belo Horizonte, enquanto Seu Hermenegildo continuou em Osasco (SP). Para decidir os rumos do negócio, dispensam o telefone. “Meu pai é o senhor do Skype”, conta o filho.
Apesar de usar todas essas ferramentas tecnológicas, startup não havia entrado no horizonte de Seu Hermenegildo até que ele criasse a sua própria. “Não [conhecia]. Parece que agora o país está despertando para isso. A dificuldade é que antes não se valorizava nada”, diz.
'Você nem imagina'
Seu Hermenegildo, que até os oito anos só falava espanhol e pisou em uma escola pela primeira vez aos dez anos, diz ter aprendido português “de tanto brigar com a molecada na rua”, porque o chamavam de caipira. “Quando eu fui para escola, deu uma bruta de uma confusão que você nem imagina.”
Difícil de imaginar também é o currículo de Seu Hermenegildo: entrou em uma fábrica de estopa aos 14, depois trabalhou em uma de laticínios e em uma funilaria de automóvel antes de correr Brasil afora como caixeiro viajante por 35 anos. Fixando residência em Itararé (SP), montou uma pequena fábrica de brinquedos. Chegou a se eleger vereador da cidade antes de abrir uma pequena marcenaria. Além disso, foi gerente de loja da 25 de março, centro comercial popular da capital paulista, e gerente de supermercado em Osasco.
“Voltei para a marcenaria até ter de parar trabalhar. Daí comecei a inventar umas coisinhas para aumentar minha renda”, resume. Entre as coisinhas está uma máquina para fazer embalagens plásticas. A mais recente dessas coisinhas foi o jogo de tabuleiro que originou o primeiro sistema de aprendizado da startup
O X da Questão –primeiro, porque Seu Hermengildo já trabalha em outro voltado à alfabetização.
“A gente tem que manter a mente ocupada”, explica. “Se a pessoa trabalha, fica com a mente sempre jovem, pelo menos nas ideias. Eu tenho notado que tem colegas que envelheceram, que sentam num cantinho e ficam o tempo todo. A vida para ele acabou por causa da ideia. Não pode ser assim. Eu tenho um ponto que se eu não estiver fazendo nada para ganhar dinheiro, é capaz de eu trabalhar de graça para não ficar parado.”
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