A violência que assusta
Por: Dominique Cavaleiro de Macedo*
Ultimamente, venho questionando a espécie humana. Será que de fato evoluímos? Pessoas perdendo a vida a troco de nada ou por uma pedra de crack. Outras decepando as mãos de assaltantes, espancando criminosos até a morte. Cada dia que passa, as notícias me fazem acreditar que a espécie humana está regredindo em alguns setores. Mas eu até entendo. Isso tudo é reflexo da falta de segurança que permite, de um lado, que a criminalidade role solta, do outro, que surjam cidadãos cada dia mais desconfiados, inseguros e amedrontados.
Quem se atreve, por exemplo, nos dias de hoje, oferecer carona a uma desconhecida que aparentemente não oferece riscos? Há quanto tempo não vemos mais as senhorinhas sentadas em frente de casa conversando sem serem abordadas por um motoqueiro qualquer munido de uma arma de fogo?
Por conta da violência, somos obrigados a ultrapassar os semáforos à noite, transgredindo a lei. A violência se tornou algo tão presente em nossas vidas, que a própria polícia nos orienta a infringir as normas de trânsito. Como assim? A violência é tratada com normalidade. Como se tivéssemos a obrigação de nos acostumar e conviver com ela.
Chegamos a um nível de ter que andar com a cópia dos documentos pessoais e colocar com um trocado qualquer dentro de uma carteira: “a carteira do ladrão”, e não para por aí.
Se você acha que tem o direito de gastar R$ 2 mil em um celular moderno que te auxilia e facilita sua vida, você está muito enganado. Ok que você trabalhou muito e deu duro para adquirir o seu aparelho, mas você está “contribuindo para os assaltos” quando compra um, entenda que você até pode comprar um bom aparelho celular, caro, contanto que o deixe em casa quando for sair e é importante que você tenha um aparelho mais “simpleszinho” para chamar de “o celular do ladrão”.
Como assim?!
Estamos criando mecanismos para conviver com a criminalidade? Estamos infringindo as leis de trânsito pra não sermos mais uma vítima da bandidagem? Estamos dizendo “bem feito” para menina que foi estuprada só por que estava com um short mais curto? É assim que estamos evoluindo?
A impressão que tenho é que estamos vivendo em uma terra sem lei. Os internos das penitenciárias estão a cada dia mais criativos. Já soube de fugas através de túneis cavados com colheres e escovas de dente, além de uso de lençóis para escalar os muros e assim ganharem às ruas. E o que impressiona é que ninguém vê nada. Onde estavam os agentes penitenciários quando eles estavam bolando esses planos de fuga? Como assim ninguém percebeu um túnel sendo cavado dentro de uma cela minúscula? E, enquanto isso, do lado de fora, as pessoas gastam fortunas para se resguardar em suas casas. É necessário que tenha um muro bem alto, cercado com aqueles arames que dão choque e portão elétrico. Sem esquecer, claro, das câmeras. Só travas no carro não são suficientes. É preciso travas, alarmes e um rastreador conectado a um aplicativo de celular.
Já que quem é pago com nossos impostos (que não são poucos) não está conseguindo manter essas pessoas longe do convívio em sociedade, penso que o governo poderia pegar umas dicas com a sociedade, pois estamos cada vez mais experientes em sistemas de segurança; as casas estão mais seguras que as penitenciárias. Eu pelo menos nunca consegui fugir da minha casa que é resguardada por no mínimo sete cadeados.
Quem paga o preço dessa lacuna de ações efetivas para manter a segurança pública? Exatamente, nós.
Nós que somos obrigados a ficar dentro de casa presos, não podemos sair e encontrar com amigos em uma casa noturna, um barzinho, shopping ou até mesmo fazer uma caminhada à noite na orla. Trabalhamos arduamente todos os dias para pagar impostos que deveriam ser empregados na garantia de uma qualidade de vida no mínimo aceitável, mas somos penalizados pela má utilização dos recursos. Somos obrigados a pagar o preço de uma violência que nós não promovemos.
Paro e penso: quão frustrado estaria Noé hoje? Teve todo aquele trabalho de fazer uma arca enorme sob pedidos divinos para que a humanidade fosse renovada (e melhorada)? Será necessário que haja a extinção de alguma espécie, como há milhares de anos ocorreu com os neandertais?
*É jornalista
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