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Possuir arma com registro vencido não é mais crime

    • Decisão do Superior Tribunal de Justiça reacende discussão sobre as exigências da legislação para que o cidadão tenha uma arma em casa.

Contra “Arma comprada em loja também é usada em crime”

Não só as 3,8 milhões de armas que estão em poder dos bandidos são usadas em assaltos e assassinatos. O armamento comprado pelo “cidadão de bem” e devidamente cadastrado também pode acabar sendo empregado em práticas criminosas. Essa é a visão do coordenador do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani.

“As armas compradas em loja também são usadas para fins criminais. Seja por um acidente ou quando a pessoa com a posse se envolver em uma briga, por exemplo; seja pela possibilidade de o artefato ser roubado ou furtado. Por isso, precisamos pensar sobre todos os impactos que a posse da arma pode implicar”, diz.

Levantamento feito pelo Instituto a partir de dados da polícia paulista demonstra que mais de 70% das armas apreendidas em São Paulo são industriais. Nove em cada dez são curtas: revólveres ou pistolas. Um terço delas acaba usada em assaltos e 9%, em homicídios.

Para Langeani, as exigências para compra e registro de uma arma são “bastante razoáveis”, à medida que permitem o controle dos armamentos. Ele ressalta ainda a necessidade de o registro ser renovado, como forma de o Estado rastrear o arsenal, ou seja, de saber onde as armas se encontram.

“Quem quer comprar uma arma legalmente tem que obedecer essas regras. Não consigo acreditar que um cidadão bem intencionado vá querer descumprir isso”, aponta. “Mas temos que avançar ainda mais. A fiscalização das armas ainda é muito ruim e precisa ser melhorada”, completa.


A favor “Restrição não foi capaz de conter crimes”

O Instituto Defesa, organização não-governamental cujo objetivo é ampliar o acesso às armas, dá de ombros ao argumento segundo o qual quanto mais armas em circulação, maiores seriam os índices de violência. Para o presidente da entidade, Lucas Silveira, a Lei das Armas, que endureceu os pré-requisitos para que o cidadão possa ter em casa um revólver ou pistola, não foi capaz de conter o avanço da violência, como previam os ativistas pró-desarmamento.

“De lá pra cá, passamos a ter uma das leis mais restritivas do mundo. Os indicadores, por sua vez, apontam o aumento dos crimes violentos. Ou seja, não resolveu.”

“Se você for ver quantas pessoas com armas regularizadas cometem crime, seria algo próximo de zero. A restrição não tem lógica”, reforça o presidente da Federação Paranaense de Tiro, James Walter Lowry Neto.

A universidade britânica Cambridge cruzou o número de armamentos com a taxa de homicídios de diversos países. Nos Estados Unidos, onde 90% das residências mantêm armas de fogo, o índice é de 4,2 assassinatos por 100 mil habitantes. No Brasil, 8,8% das casas estão armadas, mas a taxa é de 21 homicídios por 100 mil pessoas.

Silveira questiona os pré-requisitos para que um cidadão consiga registrar uma arma. Ele duvida, por exemplo, da eficácia dos exames e do curso de tiro. “Não garantem nada.” Ele ataca ainda os impostos que incidem sobre o produto. “Mais de 70% do preço de uma pistola é imposto. O governo faz de tudo para desestimular o cidadão a ter uma arma. Isso o impele à clandestinidade.”

Por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desde a semana passada deixou de ser crime possuir uma arma de fogo com o registro vencido. Quem tiver uma nessas condições não responderá mais por um crime e sim por mera infração administrativa. O entendimento da Justiça acirrou a discussão sobre as leis que regulamentam a posse de revólveres e pistolas por cidadãos comuns no Brasil. De um lado, entidades garantem que as rígidas exigências da legislação levam as pessoas a procurar armas no mercado clandestino. De outro, organizações vinculam os armamentos à violência.


A nova jurisprudência se firmou a partir do julgamento de um habeas corpus impetrado por um empresário paulista, que havia sido preso em flagrante por manter em casa um revólver e munições com a documentação vencida. Em sua decisão, o ministro do STJ Marco Aurélio Bellizze apontou a necessidade de as armas serem registradas – o que permite que o Estado tenha controle sobre os artefatos –, mas ressaltou que a falta de renovação do registro não impede esse rastreamento.

“Portanto, não vejo, por ora, até mesmo por questões de política criminal, como submeter o paciente às agruras de uma condenação penal por uma conduta que não apresentou nenhuma lesividade relevante (...), não incrementou o risco e pode ser resolvida na via administrativa”, assinalou o ministro. Antes da decisão, quem mantivesse um armamento com o registro vencido respondia por posse ilegal de arma de fogo, cuja pena prevista chega a 3 anos de detenção (e a 4, se a arma for de uso restrito das forças de segurança).

Registro

Para comprar uma arma, não basta simplesmente ir a uma loja. Antes, o cidadão precisa concluir um longo processo de habilitação na Polícia Federal (PF). É preciso ter mais de 25 anos, não responder a inquéritos criminais e declarar a efetiva necessidade de manter o armamento em casa. É necessário ainda tirar três certidões, passar por exame psicológico e fazer curso de tiro, todos cadastrados pela PF. O processo leva de 15 a 60 dias.

Só a partir disso, a pessoa pode levar a arma para casa, devidamente registrada no Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Esse registro precisa ser renovado a cada três anos. Por mês, cerca de 400 armas são registradas em nome de pessoas físicas pela PF no Paraná. “De fato, a legislação se tornou muito rigorosa, por essa questão de controle. O cidadão comum que quer uma arma de fogo tem que suar a camisa”, diz Fabrício Torres, responsável pelo Sinarm no Paraná.

De acordo com o Mapa da Vio­lência, do Cen­tro Bra­sileiro de Estu­dos Latino-ame­ricanos, o Brasil tinha na última década 15,2 milhões de armas de fogo nas mãos de cidadãos comuns. Apenas 6,8 milhões estavam devidamente registradas. Das 8,5 milhões de armas clandestinas, 3,8 milhões estavam em poder de bandidos.

Comércio ilegal nas redes sociais

Marcos* gosta de armas de fogo desde criança. Fez cursos de tiro e estudou o quanto pôde sobre cada tipo de armamento. No ano passado, decidiu comprar uma pistola, mas as exigências legais o desestimularam. Encontrou um atalho no mercado clandestino. Em um mês, adquiriu um revólver calibre 38 e uma pistola 765. Logo, comprou duas espingardas calibre 22. Achou os vendedores no Facebook.

“Rapidamente, você conhece muita gente. Se quiser comprar uma [espingarda] calibre 12, eu compro. Se quiser comprar uma [pistola] .40 [arma de uso restrito], eu compro.”

O Paraguai abastece grande parte do mercado ilegal. Lá, as lojas até entregam do lado de cá da fronteira. Neste ano, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu 67 armas e quase sete mil munições na região de fronteira.

Na internet, blogs e sites oferecem revólveres, pistolas e espingardas. Para a PF, não se trata de tráfico de armas, mas de estelionato. A pessoa deposita o dinheiro na conta do vendedor, mas este não despacha o produto. Quem compra não tem a quem reclamar.

*nome fictício


Fonte: gazetadopovo

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