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Lava Jato põe à prova os limites entre a Justiça e a política no Brasil

A separação entre o público e o privado na investigação da Operação Lava Jato se impôs como um dos maiores desafios do Governo Dilma Rousseff. Diante da encruzilhada em que se encontra, de prestar contas à sociedade e manter em pé as empresas envolvidas no escândalo da Petrobras, a presidenta trafega numa tênue fronteira que separa os dois mundos. Questionada por jornalistas nesta sexta-feira sobre a relação do Governo com essas companhias, a presidenta Dilma procurou uma saída neutra. “Nós iremos tratar as empresas tentando, principalmente, considerar que é necessário criar emprego e gerar renda no Brasil. Isso não significa, de maneira alguma, ser conivente ou apoiar ou impedir qualquer investigação ou qualquer punição a quem quer que seja, doa a quem doer”, afirmou.
Mas, para tirar o foco do seu Governo, Dilma saiu do discurso diplomático para espetar seus adversários, jogando luz sobre o passado da companhia, antes mesmo da administração do PT, que começou em 2003. “Se em [19]96, [19]97 tivessem investigado [a corrupção da Petrobras] e tivessem, naquele momento, punido, nós não teríamos o caso desse funcionário da Petrobras que ficou durante mais de dez anos, mais de vinte, quase vinte anos, praticando atos de corrupção. A impunidade leva água para o moinho da corrupção”, completou — a resposta veio horas depois, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi ao Facebook dizer que “em vez de tentar encobrir suas responsabilidades, jogando-as sobre mim, que nada tenho a ver com o caso, ela [Dilma] deveria fazer um exame de consciência”.
A estratégia adotada pela mandatária tenta retomar o controle do assunto Petrobras depois de o seu ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ter entrado no olho do furacão nesta semana. Isso porque veio a público que advogados de pelo menos três construtoras investigadas — Odebrecht, Camargo Corrêa e UTC — estiveram com Cardozo em seu gabinete nas últimas semanas. Os encontros ganharam dimensão por não terem sido explicitados na agenda da pasta, acessível a qualquer cidadão comum no site do ministério. Cardozo se defende. “Meus compromissos sempre foram absolutamente transparentes. Há uma especulação indevida, e notícias improcedentes. Foram mencionadas duas reuniões que teria tido com empreiteiras, que nunca ocorreram”, disse o ministro da Justiça ao EL PAÍS.
Apesar das explicações, diante de um dos casos mais intrincados de corrupção no país, a premissa da mulher de César — não vale somente ser honesto, mas parecer honesto — tem sido evocada à exaustão pelos que cobram lisura do Governo. Um deles é o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, que fez duros comentários sobre a condução de Cardozo por meio da sua conta no Twitter ao longo da semana. “Nós, brasileiros honestos, temos o direito e o dever de exigir que a presidente Dilma demita imediatamente o ministro da Justiça”, atacou Barbosa no dia 14 de fevereiro. Nos dias seguintes, tuitou diversos recados criticando a postura do ministro. “Os que recorrem à política para resolver problemas na esfera judicial não buscam a Justiça. Buscam corrompê-la. É tão simples assim”, replicou ele nos dias seguintes.
Para além das críticas e suspeitas, as notícias sobre o encontro entre um ministro de Estado e os advogados de empreiteiros envolvidos no maior escândalo do país também tiveram implicações judiciais. Após a revelação dos encontros, o juiz Sergio Moro, responsável pelo caso, negou pedidos de liberdade e ainda decretou na quarta-feira nova prisão preventiva para Ricardo Pessoa, presidente da UTC; Dalton Avancini, presidente da Camargo Corrêa; Eduardo Hermelino Leite, vice-presidente da Camargo Corrêa; e João Ricardo Auler, presidente do Conselho de Administração da Camargo Corrêa, baseado na busca por “indevida interferência política no processo judicial”.
Em seu despacho, Moro, que evitou criticar o ministro da Justiça, diz que “existe o campo próprio da Justiça e o campo próprio da Política. Devem ser como óleo e água e jamais se misturarem”, citando o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto. Segundo o juiz, que também cita as manifestações de Joaquim Barbosa sobre o caso em sua decisão, é “intolerável que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas, em total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal”.
O advogado Alberto Zacharias Toron, que defende Ricardo Pessoa, da UTC, responde à decisão de Moro em habeas corpus impetrado nesta quinta-feira. “Qualquer pessoa que enxergue um palmo na frente do rosto sabe que o Ministro da Justiça não tem o poder de interferir na prisão preventiva de quem quer que seja”, escreve Toron, acrescentando que “notícias jornalísticas sem efeito prático, verdadeiros factoides, não podem atingir a liberdade do paciente”. Segundo o advogado, que, em entrevista ao EL PAÍS, classificou a celeuma como “bobagem”, “vivemos numa democracia e se o advogado, ainda que erroneamente, entenda possível que o Ministro da Justiça ou mesmo o Bispo possam ajudá-lo na demonstração da sua tese, é legítimo que o faça”.

Interesses

O assunto torna-se ainda mais espinhoso quando se leva em conta a relação ‘umbilical’ do Estado brasileiro com as empreiteiras. Uma das apostas do Governo para atenuar o mau desempenho econômico, por exemplo, é exatamente um plano bilionário de infraestrutura, que demandará muito investimento das construtoras. Mais do que isso, porém, essas empresas ajudaram a eleger a presidenta, financiando a sua campanha eleitoral. Somente a Odebrecht, cujo advogado esteve com o ministro da Justiça, doou 3 milhões de reais para a campanha da petista, três vezes mais do que recebeu seu principal adversário, o senador Aécio Neves. A UTC foi ainda mais generosa: 7,5 milhões de reais para a Dilma Rousseff e nada para Aécio. A Camargo Corrêa também deixou o tucano a ver navios, e injetou 2 milhões de reais na campanha de Dilma.
Diante dos valores, não causou estranheza a notícia, destacada nesta sexta-feira pelo jornalO Estado de S.Paulo, de que emissores das empreiteiras também têm buscado, desde o fim do ano passado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu sócio Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. Após deixar o Palácio do Planalto, o antecessor de Dilma passou a ser encarado como uma espécie de “embaixador” pelas empreiteiras brasileiras mundo afora. Marcelo Odebrecht, presidente da empresa que leva seu sobrenome, chegou a publicar artigo na Folha de S.Paulo em abril de 2013 para confirmar que patrocinou a ida de Lula ao exterior para o petista “influenciar a favor do Brasil”.
Afora a polêmica, o fato é que desde o dia 14 de novembro do ano passado, quando a Polícia Federal deflagrou a operação de busca aos corruptores no caso Petrobras, os dirigentes dessas construtoras e de outras que prestam serviço para a petroleira estão detidos na carceragem da PF em Curitiba. A prisão é justificada pelo instrumento de delação premiada, comandada pelo juiz Sergio Moro. Desde então, a banca de advogados contratada para defender os executivos busca as brechas legais para interferir no processo e livrar seus clientes da prisão. Tudo dentro do esperado, até que eles tentaram chegar perto de quem orbita no centro do poder em Brasília.
Fonte: msn

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