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Exclusão do Simples Nacional por dívida tributária é inconstitucional e ilegal


As microempresas (ME) e as empresas de pequeno porte (EPP) podem fazer a opção pelo regime tributário especial denominado Simples Nacional que, sem dúvida, traz vantagens econômicas e tributárias, proporcionando que o recolhimento de oito tributos (IRPJ, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, IPI, ICMS, ISS e a Contribuição para a Seguridade Social destinada à Previdência Social a cargo da pessoa jurídica) ocorra mediante a expedição do documento único de arrecadação (DAS)[1].

Podem ser consideradas ME e EPP, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o artigo 966 do Código Civil, devidamente registradas no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, sendo que, para tanto, as ME poderão auferir, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000 e as EPP receita bruta superior a R$ 360.000 e igual ou inferior a R$ 4.800.000.

Todas as ME e EPP que possuírem débitos tributários para com algum dos entes federativos – União, estados, Distrito Federal e municípios -, deverão regularizá-los sob pena de exclusão do regime tributário Simples Nacional, previsão disposta nos artigo 17, V, da Lei Complementar 123/2006 e no artigo 6º, parágrafo 2º, I, da Resolução CGSN 94/2011.

Tal procedimento de exclusão pode ser considerado completamente ilegal e inconstitucional, se for resultado – exclusivamente – de dívidas tributárias, por constituir-se em expediente sancionatório indireto para o cumprimento da obrigação tributária.

Cabe ressaltar o entendimento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região quando refere-se a coação indireta, afirmando ser a jurisprudência uníssona para afastar a sanção que obrigue as pessoas a saldarem débitos pendentes, prescrevendo que “não pode, em razão da existência de débito, recusar a prestação de seus serviços, uma vez que o ordenamento jurídico confere ao credor meios legais próprios para cobrança de seus créditos, sendo desarrazoada, portanto, a utilização de sanções administrativas como meio coercitivo para compelir o administrado ao pagamento de seu débito”[2].

No mesmo sentido é a decisão do Supremo Tribunal Federal analisando os prejuízos sofridos pelas empresas ao serem excluídas do regime tributário Simples Nacional, proclamando que “nesse regime, em que há, entre outras vantagens, tratamento diferenciado e favorecido quanto ao recolhimento de tributos e ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, as micro e pequenas empresas têm a possibilidade de sofrerem uma menor tributação, o que impacta, lógica e diretamente, no seu caixa. Os impactos econômicos, financeiros e jurídicos decorrentes da exclusão da impetrante de regime de tributação que é mais favorável ao exercício de suas atividades são aptos à caracterização do dano de difícil reparação previsto no artigo 527 do CPC/1973”.[3]

A exclusão do regime tributário Simples Nacional, somente por dívida tributária, é indiscutível e puramente sanção política, implicando em negativa de direito ao exercício da atividade econômica empresarial. Agindo assim, a Fazenda está fazendo “justiça pelas próprias mãos […] levando a empresa ao caos”[4], restando “inconstitucionais as restrições impostas em razão do não pagamento de tributo”[5]. Somente no ano de 2016, foram excluídas do regime tributário Simples nacional, de ofício – por débitos tributários – um total de 375.160[6] empresas e nos primeiros meses de 2017, já foram excluídas 7.839[7] empresas.

Se o Fisco pretende haver seus créditos contra os contribuintes, pode e deve lançar mão de meios mais adequados para essa finalidade, conforme previsões dispostas nas legislações pátrias.

A Lei Complementar 123/2006 não foi criada para resolver os problemas financeiros e do fluxo de caixa das empresas e das Fazendas Públicas federais, estaduais ou municipais, mas sim para regulamentar o que estava disposto na Constituição Federal nos artigos 146, ‘d’, parágrafo único, e 170, IX e parágrafo único, por isso que desimporta os valores negativos – se expressivos ou não – nos caixas públicos, o Estado existe para fazer cumprir seu papel, decorrente de lei constitucional e ponto, nada, além disso, deve ser inventado para ludibriá-la.

As Fazendas Públicas já possuem instrumentos de cobrança ágeis e eficazes das dívidas tributárias, dentre os quais se destacam: a Lei de Execuções Fiscais 6.830/1980, a negativação no cadastro do empreendedor (Cadin, Serasa), entre outros inúmeros recursos menos gravosos, cujas sanções, sem dúvida, poderiam substituir o ato de exclusão do contribuinte do Simples Nacional, por dívida tributária. É que, segundo as disposições constantes do artigo 805 do CPC/15, que no caso do processo judicial, aqui usado por analogia, o juiz determinará a execução de modo menos gravoso ao devedor.

Assim: o devedor, que não tem condições, momentâneas, de cumprir com o pagamento dos compromissos tributários – em dia -, deverá ser onerado com a carga tributária mais elevada – em decorrência da sua exclusão do Simples Nacional? Frisa-se: isso poderá resultar no encerramento de suas atividades, o que certamente não é o objetivo do legislador constitucional.

Cabe ressaltar que a vedação aos excessos praticados pela Fazenda Pública no ato da exigibilidade dos débitos tributários, encontra respaldo nos princípios constitucionais da proporcionalidade e do livre exercício da atividade econômica (artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal), caracterizado, pela adequação e razoabilidade dos atos administrativos, sempre no intuito de atingir a finalidade. Assim sendo, o ato de exclusão do Simples Nacional por dívida tributária (artigo 17, V, da Lei Complementar 123/2006), sem dúvida, materializa ilegalidades e inconstitucionalidades, valendo, ainda, ressaltar que o princípio do exclusivismo exprime o contido nos artigo 110 do CTN, ao afirmar que não se pode exigir nenhum elemento adicional ao descrito na Constituição Federal.

Perfeitamente aplicável a manifestação do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “com efeito, tenho que não é cabível a imposição de sanções administrativas indiretas como forma coativa de cobrança de tributos, enquanto não esgotadas as vias ordinárias das quais deve se valer o Fisco para a obtenção do seu crédito. Nesse sentido, editou o Supremo Tribunal Federal as Súmulas 70, 323 e 547, com o objetivo de impedir que a autoridade administrativa, a pretexto de obrigar o contribuinte a cumprir suas obrigações tributárias, inviabilize a atividade por ele desenvolvida, em obediência ao princípio constitucional do livre exercício da atividade econômica. (Nesse sentido: RE 106.759/SP, relator ministro Oscar Corrêa, DJU 18.10.1985).

Invoca-se, ainda, a função social da empresa no intuito de proteger as relações e as atividades econômicas (emprego e renda), já que a Lei Complementar 123/2006 – e suas atualizações – sempre primou pela obediência aos preceitos transindividuais, quais sejam, os direitos humanos.

Ora, se a dignidade da pessoa humana é reconhecida enquanto princípio constitucional, ela é inafastável de qualquer relação e deve fundamentar, inclusive, a ordem econômica.

A dignidade do trabalhador, através da proteção contra o desemprego, está, sem dúvida, no escopo da evolução dos direitos do homem, desde o final da Segunda Guerra Mundial, razão pela qual ao se examinar instrumentos clássicos de direitos humanos encontram-se várias referências à dignidade do trabalhador, como direito fundamental do ser humano. “O fundamento da República não é constituído apenas pela livre iniciativa e pela valorização do trabalho, mas também, e especialmente, pela repercussão social de ambas as figuras. Impossível, portanto, não associar a ‘valores sociais’ a noção de ‘função social’ da maior relevância para a Constituição de 1988”[8].

A Constituição Federal no artigo 1º prescreve que os fundamentos do País são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Em seguida, no artigo 3º, afirma ser indispensável a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Efetivando-se, assim, o exercício dos direitos sociais, referente à função social da Empresa e o valor social do trabalho, previstos nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal.

Os estudiosos[9] explicitam um extensivo rol de dispositivos constitucionais de relevante influência aos artigos 6º e 7º da Constituição Federal, no entanto, com o merecido destaque, reporta-se à Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, ao prever que “todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”[10].

O desempenho social da empresa tem “função macroeconômica”, pois quando se defende o enraizamento da questão das empresas adeptas ao regime tributário simplificado, constata-se que sua função não se limita a “unicamente em pagar tributos”, como tenta fazer crer a Fazenda Pública – órgão do governo instituído unicamente com a finalidade arrecadatória -, mas também, “especialmente na manutenção da oferta de trabalho ao maior número possível de pessoas”[11].

Portanto, corolário é a função social da empresa e do trabalho, nos termos expostos, pois obedecem, além dos princípios constitucionalmente protegidos, preceitos de direitos humanos ao albergar a atividade econômica enquanto direito indispensável, afastando, assim, todos os reflexos arrecadatórios impostos pelo Governo de forma coercitiva.

Por tais razões, o procedimento de exclusão das empresas do regime tributário especial denominado Simples Nacional pode ser considerado completamente ilegal e inconstitucional, se for resultado – exclusivamente – de dívidas tributárias.

Fonte: Conjur

   

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