Crônica: Ao invés de fogo, fumaça
Por: Emanuel Júlio
Leite*
Por volta das 14:30 do domingo, 27, a minha mulher recebeu uma chamada telefônica. Do outro lado da linha uma senhora, que mora perto de uma chácara de propriedade da minha família, dizendo que um incêndio estava próximo de atingir as duas casas que ficam no local. O lugar em questão fica distante cerca de 13 quilômetros do centro da cidade, no bairro do Diamantino (pra lá do Mararu).
Não foi muito difícil chegar à conclusão de que o que estava sendo falado fazia sentido. Afinal de contas, estamos vivendo um dos períodos mais secos dos últimos anos na região Oeste do Pará. As queimadas, em função do verão prolongado, tornaram-se motivo de preocupação para a população e autoridades. A toda hora fotografias são postadas nas redes sociais dando conta da situação que vem ocorrendo em áreas de floresta, campos, e mesmo no centro urbano. Outro dia mesmo, voltando de uma viagem à região do Lago Grande, observei em que em diversos pontos da mata focos de incêndio eram verificados enquanto a embarcação fazia o seu percurso entre Vila Socorro e Santarém.
Imediatamente, minha mulher discou 190. Relatou o que tinha acabado de ouvir da pessoa ao celular. Falou da localização para a pessoa que atendeu, e, claro, citou um ponto de referência.
Confesso que fiquei na dúvida entre ir ou não. Pensei que se fosse, pouco poderia fazer, pois não teria como apagar incêndio. Como existe caseiro por lá, pensei na aposta de que por lá os problemas poderiam ser contornados, em função de contratempos. E logo veio o pensamento: “E esse o fogo está colocando em risco a vida de pessoas?”. Pelo sim, pelo não, parti em direção ao local.
Quando eu trafegava pela rodovia Curuá-Una, na altura do bairro Jaderlândia, vi o carro do Corpo de Bombeiros. Confesso que duvidei da presteza do serviço. “Será que é a nossa ocorrência?”, pensei em tom desafiador. Eu mal acreditava, pois o telefonema para o 190 tinha sido há menos de 10 minutos. Para não perder a oportunidade, fiz questão de fazer a ultrapassagem pelo pesado veículo vermelho. A poucos metros, depois de ter feito a ultrapassagem, fiz um sinal com o dedo, dando a indicação de que eu estava a caminho do local do incêndio.
Para chegar ao local, o veículo do Corpo de Bombeiros, além da rodovia, teve que entrar numa estrada de chão batido. A parte mais difícil foi ter que passar por uma ponte de madeira, nas imediações do Restaurante La Xinxa. Mais para frente, a entrada em um ramal bem estreito. Em boas condições de trafegabilidade, mas estreito.
Ao chegar ao local, nada. A atmosfera estava esfumaçada, mas incêndio não havia. Não naquele momento. Deu para ver que houve, sim, um incêndio na mata, mas que ficou longe de alcançar a casa, conforme relatou a senhora para a minha mulher.
Naquele momento, fiquei sem ter o que dizer para os profissionais do Corpo de Bombeiros. Fiz questão de dizer que confiei na pessoa que havia relatado o problema, e que só telefonei sem checar de forma antecipada em função da localização da ocorrência. Eu disse que acreditei no nervosismo da pessoa, e que confiava, como confio, na possibilidade de a mesma não ter brincado com coisa séria. Senti-me mal com o fato de a ocorrência não ter se configurado na prática.
Fiquei me sentido culpado. Sei de algum tempo que o Corpo de Bombeiros costuma receber um número altíssimo de ligações para atender ocorrências que não existem. Muitas pessoas dão trabalho à corporação sem que seja necessário. As estatísticas em alguns pontos do país apontam para uma quantidade de trotes que se aproxima dos 85%. No caso específico da minha ocorrência, vi o trabalho para manobrar o veículo pesadíssimo numa área de pouco espaço.
Dos males, o menor. O que se apresentava como situação ameaçadora se transformou em algo que mais pareceu uma brincadeira de mau gosto. Não foi brincadeira, mas causou um mal-estar. Pelo menos, causou embaraço eu ter que explicar algo que não aconteceu conforme foi descrito na ligação que originou a ocorrência.
E pintou na minha cabeça dúvidas, em função de algo que não aconteceu. O incêndio seria melhor, para justificar a ida dos profissionais do fogo ao local? Se o fogo fosse mesmo ameaçador, a checagem daria tempo para que algo fosse feito para debelar as chamas?
Houve quem me dissesse: “Menos mal... Ao invés de fogo, fumaça!”...
*É produtor audivisual, escritor e ex-secretário de Turismo de Santarém
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